Artigo de Hideraldo Buch* O XX Encontro Nacional de Comitês de Bacias (ENCOB) 2018 está chegando e acontecerá nos dias 20 a 24 de agosto de 2018 na cidade de Florianópolis/SC, com o tema: O Futuro da Água – Desafios dos Comitês na Terceira Década da Política Nacional de Recursos Hídricos. É de suma importância a participação efetiva dos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) do Brasil, nas discussões dos recursos hídricos, portanto, a nossa mobilização tem que ser efetiva. Os objetivos primordiais do ENCOB são sem dúvida nenhuma, possibilitar que os Comitês de Bacias Hidrográficas identifiquem as oportunidades e desafios para a promoção da gestão integrada das águas, de forma participativa e descentralizada, de modo a apontar para toda a sociedade a efetiva sustentabilidade dos recursos hídricos. Além disso, deve buscar a integração de todos os organismos, entes e segmentos que compõem e participam do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), sejam públicos, privados e a sociedade civil na construção de pactos que vislumbrem no médio e longo prazo a qualidade e quantidade das águas superficiais e subterrâneas. O ENCOB possibilita sem dúvida nenhuma, a discussão dos cenários futuros no que se refere aos recursos hídricos no Brasil e suas regiões fronteiriças visando estabelecer metas e diretrizes para a efetivação das políticas públicas ligadas à água em interface com o desenvolvimento. Temos que buscar destacar a importância do futuro e dos desafios dos CBHs na próxima década nos processos de gestão das águas no Brasil, fundamentalmente pelo alcance proporcionado pelos organismos de mídia na referência às experiências exitosas já identificadas; isto vai nos dar oportunidade de discutir amplamente os compromissos e responsabilidades dos entes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos visando à otimização das ações de preservação da qualidade e quantidade de nossas águas. Tenho uma grande expectativa que nesse ENCOB/2018, possamos de fato, construir uma efetiva e eficiente gestão dos recursos hídricos, com sua tomada de decisão, através de seus CBHs, que são entes legítimos, para que possamos planejar, executar de forma eficiente os instrumentos de gestão prevista na lei das águas que é a 9.433. Se a participação for efetiva de todas esferas do sistema de gestão e juntamente com a sociedade civil, não tenho dúvida nenhuma que a nossa política de recursos hídricos será eficaz. *Hideraldo Buch – Biólogo e Pós-graduado em Gestão de Recursos Hídricos. Coordenador do Fórum Nacional de Comitês de Bacias e membro do colegiado desde 2003, participou da criação do Fórum Mineiro de CBHs; foi Coordenador do Fórum Mineiro de CBHs por 2 mandatos 2012 a 2016. É o atual vice-presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Baixo Rio Grande-GD-8 e Conselheiro dos Comitês de Bacia Hidrográfica do Rio Araguari e Comitê da Bacia Hidrográfica do Baixo Rio Paranaíba – PNIII; Participei da criação do Comitê Federal do Rio Grande e do Comitê Federal do Rio Paranaíba.
Medida Provisória não resolve o problema do saneamento no Brasil
Artigo de Malu Ribeiro* e Mario Mantovani** Instrumento não se aplica a tema de extrema importância O acesso a água de qualidade e em quantidade é um direito humano que deve ser garantido por meio da universalização do saneamento, razão pela qual é inexplicável a forma incipiente como o tema vem sendo tratado pelo governo brasileiro. O problema se agrava quando a regulação é alterada de forma desconectada das políticas públicas ambientais e dos preceitos constitucionais da transparência e da participação social. Esse descompasso está refletido na recente medida provisória do saneamento básico (MP 844), assinada pelo presidente Michel Temer e apresentada pelo ministro-chefe da Casa Civil Alexandre Padilha em artigo publicado nesta Folha (16/7). É importante frisar que o instrumento da medida provisória deve ser utilizado em caso de urgência e por tempo limitado, o que não se aplica a um tema de extrema importância e impacto social como o saneamento básico, que demanda planejamento e execução de longo prazo. Em que pese a necessidade de aprimoramento do marco regulatório do saneamento —fruto de mais de uma década de debates—, a MP 844 não respeita o direito da sociedade de debater e participar da construção dessa política pública. A modernização do setor e aperfeiçoamentos devem ocorrer por meio de um projeto de lei que envolva a sociedade, poder público e os setores técnicos. Ao trazer para a Agência Nacional de Águas (ANA) a regulação do saneamento, a MP enfraquece o seu papel estratégico de gestora do recurso natural e prejudica o Sistema Nacional de Recursos Hídricos. A ANA é responsável por instrumentos estratégicos como o enquadramento dos corpos d’água, que classifica os rios em classes de qualidade, e também pela outorga de direito de uso da água. Portanto, a nova atribuição gera um conflito de papéis. A precariedade no tratamento de esgotos tem levado companhias públicas e privadas a pressionar comitês de bacias hidrográficas e governos para rebaixar o enquadramento dos rios para a classe 4, que mantém rios poluídos e impróprios para uso por não ter limites para diluição de poluentes. Assim, o setor evita punições e sobretaxas. E agora, como ficará o papel da ANA na emissão de outorgas para o setor que ela mesma passará a regular? A MP também fere os princípios fundamentais de descentralização e participação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), quando estabelece que a ANA pode restringir o uso da água em rios estaduais e federais em períodos de seca, sem ouvir os comitês de bacias hidrográficas e os Sistemas Estaduais de Recursos Hídricos. Um exemplo de como a mudança pode afetar a atuação integrada desses órgãos é a outorga do sistema Cantareira, formado por dois rios federais e dois estaduais, que atende às regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas. Sua renovação durante a crise hídrica envolveu amplo processo de negociação e judicialização. Com audiências públicas e integração entre os comitês de bacias e órgãos gestores federais e estaduais de Minas Gerais e São Paulo foi possível superar o desafio de renovar a outorga. Ao centralizar a decisão na União, a MP exclui a possibilidade de negociações como essa em momentos de seca e escassez. No afã de alterar o marco regulatório do saneamento básico, o governo brasileiro renega a gestão da água a um segundo plano e cria uma forma de cortar caminho, que fere direitos e atropela políticas públicas estratégicas que devem ser reguladas com participação da sociedade e transparência. Não será uma medida provisória sancionada a toque de caixa que levará o país a universalizar o saneamento. Malu Ribeiro* Especialista em água da Fundação SOS Mata Atlântica Mario Mantovani** Diretor de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo – https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/07/medida-provisoria-nao-resolve-o-problema-do-saneamento-no-brasil.shtml
Maldição sobre São Paulo: breve crônica sobre o Tietê metropolitano 1
MALDIÇÃO SOBRE SÃO PAULO: Breve crônica sobre o Tietê metropolitano1 Artigo de Gerôncio Rocha* Palavras-chave: Rio Tietê metropolitano. Política de recursos hídricos. Crise hídrica. Um dia, um rio2 Um dia – há cinco milhões de anos, no período Neógeno –, o rio Tietê sofreu um forte trauma geológico: suas nascentes, que antes eram formadas pelos rios Paraibuna e Paraitinga, foram bruscamente capturadas pelo rio Paraíba.3 Tempos depois, o planalto paulistano soergueu-se, e o Tietê nele se instalou, seguindo seu caminho definitivo para Oeste. Durante vários milênios, dedicou-se a escavar as rochas e a depositar os sedimentos nas concavidades da bacia. E de tal modo se acomodou às novas condições, que passou a construir uma vasta planície de inundação – de quilômetros de largura –, para melhor se espreguiçar. Então, vieram os homens e viram o rio e a vasta planície – e disseram: “Isto aqui merece uma cidade!”. O porto ali perto, ao pé da serra, e o sertão ignorado rio abaixo, a Oeste. Isso por volta de mil quinhentos e tantos. Aí, construíram a cidade e ficaram por ali vegetando por mais de 200 anos4, quando buscaram as trilhas dos índios e se aventuraram pelo Interior. O sucesso econômico foi tão grande, que a cidade começou a crescer; por imprevidência, começaram a ocupar a planície. A riqueza desperta o desejo de mais riqueza. Então, os homens disseram: “Isto aqui será uma metrópole!”. Aí, acabou-se a boa vida do rio: trataram de confiná-lo, para evitar enchentes; construíram barragens, para domar sua força; e desviaram suas águas, para produzir energia lá no pé da serra. No ano do IV Centenário (1954), o rio e a cidade ainda conviviam em relativa paz. Depois, foi um exagero: a invasão era tamanha, e tão grande era a poluição de suas águas, que ele entregou os pontos. Os homens, então, puseram a mão na consciência e passaram a dizer: “Isso não se faz!”. Só que agora, para reverter a situação, será preciso inverter a sucessão natural do tempo. Antes, eram milênios, séculos, décadas; agora, são anos, meses, dias. S.O.S.! História Quando o viajante Auguste de SAINT-HILAIRE5 passou por aqui (1819-1821), São Paulo tinha umas 20 mil almas: brancos, descendentes de portugueses; mulatos, livres e escravos; e negros, a maioria escravos. A cidade, em volta da colina do Pátio do Colégio, tinha duas igrejas (Catedral e Santa Efigênia), três conventos, dois asilos e um hospital para leprosos. Havia três pontes principais, sendo duas sobre o Anhangabaú e a terceira sobre o Tamanduateí. (“São feitas de pedra, muito pequenas, de um só arco, e em nenhuma parte do mundo mereceriam ser mencionadas, a não ser no Brasil. Não obstante, até fins de 1819 não encontrei no interior do país nenhuma outra ponte que fosse feita com tanta arte como as de São Paulo”). A cidade não passa de grande depósito de mercadorias que vêm da Europa e de um local de trânsito de produtos da região (Porto de Santos). Paisagem: “Não somente é encantadora a localização de São Paulo, como aí se respira um ar muito puro. Das janelas do palácio (convento dos jesuítas) descortina-se uma vista maravilhosa da planície. Abaixo da cidade, vê-se o Tamanduateí, que vai coleando por uma campina semialagada (novembro), no fim da qual se estendem os pastos pontilhados de tufos de árvores baixas”. Eis a herança dos colonizadores. Diz-se que no começo, em mil quinhentos e tantos, já havia aqui a sociedade dos índios guaianases, caçando e pescando e vivendo às próprias custas – sob a proteção dos deuses. Então, eles foram chegando, subindo a Serra do Mar a partir de São Vicente, onde haviam aportado. Estabelecidos – aparentemente com a concordância do cacique Tibiriçá –, passam a viver às custas dos índios, assimilando seus costumes, culinária e técnicas de sobrevivência. Duzentos anos depois – e sempre nas trilhas dos índios – aventuraram-se pelo Interior, em busca de ouro e pedras preciosas e de novos índios que pudessem escravizar como força de trabalho. Diz o notável viajante: “Pela força ou pela astúcia, eles dominavam os índios, acorrentavam-nos e os transportavam às centenas para o mercado de São Paulo. Infelizes daqueles que resistiam! Eram exterminados com inominável atrocidade. Tribos inteiras eram destruídas, como o fogo destrói o capim à medida que avança pelos campos. Nessas expedições, os mamelucos (filhos de índias com brancos) se distinguiam sobretudo por suas crueldades. Procuravam, sem dúvida, fazer esquecer que do lado materno pertenciam à raça condenada”. Dá vontade de esquecer o passado, mas não custa lembrar. Quatrocentos e sessenta e poucos anos depois, somos 20 milhões de pessoas numa enorme metrópole. Já não se usam métodos tão cruéis de recrutamento de mão de obra; todos os dias vamos mansamente para o trabalho – sempre em fila indiana – nos corredores de ônibus, nos trens da ferrovia ou do metrô, ou mesmo no próprio carro; e muitos ficam felizes por conseguir um posto de trabalho. Já não há português como os de antanho; são todos gente boa, dedicados a serviços básicos – no bar, na padaria, no restaurante ou na hotelaria –, disseminando sua culinária exemplar. Um povo a mais na “cidade dos mil povos”. De vez em quando (e com certa freqüência), talvez por fadiga, a grande cidade tem seus espasmos: inundações, congestionamentos de trânsito, pragas de mosquitos pernilongos infernais, fetidão de rios e córregos, poluição do ar, secura exagerada. Nessas horas não faltam críticos revoltados, até mesmo “especialistas”, que atribuem a culpa de tudo aos primeiros colonizadores – especialmente o padre Anchieta –, que teriam escolhido mal este lugar. Convenhamos, a culpa não é do lugar. Geografia A cidade de São Paulo está assentada sobre rochas sedimentares depositadas numa depressão tectônica alongada durante os períodos geológicos Terciário e Quaternário. Essa estrutura geológica peculiar conforma uma planície engastada entre a Serra da Cantareira, a Norte, e a Serra do Mar, a Sul – a chamada bacia sedimentar de São Paulo (Figura 1). Figura 1 – Bacia sedimentar de São Paulo (anexa) Fonte: DAEE, IG, IPT, CPRM, 2005. Aziz
A gestão das águas e os desafios do Encontro Nacional de Comitês de Bacias
Artigo de Mauro da Costa Val* O Encontro Nacional de Comitês de Bacias (ENCOB) tornou-se um extraordinário evento. De periodicidade anual, visa à integração e a troca de experiências entre seus membros, assim como promover a discussão de temas relevantes ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, segundo o regimento interno do Fórum Nacional de Comitês de Bacias. Concomitantemente, além dos esforços dos próprios Comitês de Bacias, iniciativas da sociedade civil, de forma organizada e espontânea, buscam explicações para cenários de escassez quali-quantitativa e eventos críticos cíclicos – ora secas, ora enchentes urbanas que parecem incontroláveis, pelo caráter repetitivo e ainda sem solução. Um bom exemplo é a união de vontades cidadãs e institucionais refletida na dinâmica do “Observatório das Águas”. Ao contribuir para o sucesso da Política Nacional das Águas, o Observatório elencou, num amplo processo participativo, diversos indicadores de governança, como meio de dar resposta à questão: “Como verificar se o Sistema está cumprindo o seu papel diante de sua finalidade?” O ENCOB não só faz parte da história da Política Pública das Águas, como nele, de um lado se refletem as iniciativas, aplicação e eficiência dos instrumentos de gestão e, de outro lado, ao integrar Comitês e Sistemas Estaduais, os resultados de sua interlocução, bem como a elevada ressonância na comunicação midiática regional e nacional, influenciam diretamente os rumos do próprio Sistema Nacional de Gerenciamento. É parte, por assim dizer, de um só corpo. A despeito de vultosos investimentos públicos e privados, como no caso da Transposição de Águas do Rio São Francisco; redução na demanda industrial com reuso de efluentes tratados; facilidades no acesso a tecnologias de irrigação com drástica redução no consumo; entrada em funcionamento de centenas de estações de tratamento de esgotos sanitários; implantação do instrumento cobrança pelo uso por vários Comitês de Bacias, dentre outras naturezas de esforços, a gravidade da situação parece aumentar. Por quê? O custo de implantação e operacional anual para tratamento em níveis aceitáveis (85% na remoção de matéria orgânica solúvel) de 1 tonelada de DBO alcança mais de 30 mil reais para uma tecnologia com eficiência energética. Paralelamente, um bagre-do-canal (Ictalurus punctatus) faz uso de 340 mg O2/hora/Kg (KUBITZA, 2003). Com massa de 1 Kg este peixe consome, teoricamente, 8,16 g O2/dia. O lançamento de 1.000.000 gO2 (1 tonelada de DBO) inviabilizaria a existência de 122.549 bagres de 1 Kg. Ao usar o preço de mercado (R$10/Kg peixe), resulta um valor de R$ 1.225.490 para tal fonte saudável de proteína animal. Postos os dois fatos, quais fundamentos econômico-ecológicos sustentam a cobrança pelo uso dos serviços ecossistêmicos (Autodepuração. Figura 1) de um curso de água receptor no valor de apenas 70 a 100 reais pelo lançamento de 1 tonelada de matéria orgânica bio-oxidável? Resultados da recente pesquisa feita pelo Observatório das Águas (Relatório com a sistematização das contribuições via plataforma online) evidenciaram que em apenas 7 dos 59 indicadores de governança sugeridos, os dados e informações a eles correspondentes estão facilmente disponíveis. 88% do rol de dados e informações de sustentação à avaliação dos próprios sistemas nacional e estadual de gerenciamento não estão organizados e/ou disponíveis ao acesso de interessados, segundo opinião dos consultados. Espera-se do próximo ENCOB que aspectos cruciais relativos à gestão, que emperram o desenvolvimento dos Sistemas Nacional e Estaduais de Gerenciamento, sejam de fato e de direito abordados. Questões generalistas que cabem em quaisquer situações de qualidade e quantidade, sejam elas de escassez ou abundância, já se esgotaram nos encontros até aqui realizados. Além disto, propagandas excessivas com mensagens de cunho meramente comercial de financiadores do congraçamento em nada contribuem ao necessário debate. Transparência e auditorias externas quanto ao uso dos recursos arrecadados junto ao setor privado para o financiamento do congraçamento nacional podem ser proveitosas. Não só por indicar seriedade e compromisso com o coletivo, mas também por que o simples pagamento por espaços e marketing não pode proporcionar, per si, anuência a destaques para empresas que não respeitam princípios e fundamentos da Política Pública das Águas. Consultas transparentes e publicamente acessíveis aos mais de 6.300 membros dos 210 Comitês de Bacias existentes no Brasil (disponível no portal da Agência Nacional de Águas em http://www.cbh.gov.br/, último acesso em 22 de julho de 2018) podem, futuramente, vincular o formato do ENCOB aos contextos regionais vivenciados pelos protagonistas da gestão pública das águas naturais. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA KUBITZA, F. Qualidade da água no cultivo de peixes e camarões. Jundiaí: F KUBITZA, 2003. 229p. *Mauro da Costa Val Engenheiro Civil e Sanitarista, MSc. Sênior – Exerceu funções de Presidente do CBH-Paraopeba, Secretário Executivo do Consórcio Intermunicipal da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba – CIBAPAR, Coordenador do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias, Coordenador Adjunto do FNCBH, Membro do CERH MG, etc. Atua nas áreas do saneamento básico e ambiental, com destaque em projetos e operação de Estações de Tratamento de Efluentes Sanitários e Industriais. É Diretor na microempresa Acqua Saneare.
Água e Privatização da Eletrobrás*
As grandes bacias hidrográficas brasileiras têm como característica atravessar o território de vários Estados e às vezes países, usos cada vez mais intensivos em água e possuir hidrelétricas em seu percurso. A gestão dos conflitos entre setores usuários de águas nessas bacias tem se tornado cada vez mais complexa, seja pela intensidade e frequência das estiagens, seja pelos interesses sociais, econômicos e ambientais que disputam a utilização da água disponível. Crises hídricas, são, em essência, conflitos pela alocação da água existente. Nestas bacias tais conflitos têm, inevitavelmente, colocado a necessidade da alteração das regras de operação das hidrelétricas, o que obriga, em cada crise hídrica, avaliar localmente não só os impactos na agricultura, saneamento, navegação, indústria, meio ambiente senão também as consequências no suprimento de energia em praticamente todo o território nacional. Por sua intensidade e frequência, as crises recentes têm evidenciado o surgimento de outros conflitos, potencialmente explosivos: para além das demandas dos setores usuários, os próprios Estados que formam a bacia hidrográfica são também atores relevantes e que precisam ser analisados diante de seus interesses específicos, que podem ou não coincidir com os interesses dos diversos setores usuários tradicionais. A posição geográfica dos Estados na bacia, a existência de reservatórios, o peso político das decisões a serem tomadas, inclusive eleitorais, são elementos intrínsecos de cada crise. Não tratamos apenas de conflitos entre setores, mas também de conflitos federativos que podem ser gravíssimos. Pelas mesmas razões, podem ser motivo de conflitos internacionais. Exemplos não faltaram nas crises nas Bacias do São Francisco, Tocantins, Madeira, Paraíba do Sul e Paraná. Até em bacias menores, como a do Piranhas-Açu, onde os reservatórios que regularizam a maior parte do rio estão no Estado de montante (Paraíba), o potencial do conflito federativo manifestou-se claramente. Por sua relevância, um elemento estratégico fundamental na gestão das crises é a operação das usinas e reservatórios existentes, que, pelo fato de estarem integradas através do Sistema Interligado Nacional-SIN, coloca ou retira graus de liberdade nas opções de gestão em determinada bacia. Aí, a posição do Operador Nacional do Sistema-ONS nas decisões é muito grande. Creio que o fato do sistema hidro-gerador brasileiro ser basicamente público tem sido o elemento garantidor das decisões que foram tomadas, pois não tivemos que olhar a contabilidade das empresas ou do sistema. Em bacias onde há agentes privados no setor hidrelétrico, a presença majoritária da Eletrobrás e empresas públicas, como a CEMIG, foi – afirmo, foi – o elemento chave na construção das opções que possibilitaram gerenciar positivamente tais crises. Posso dizer também com tranquilidade que o ONS tem sido um grande parceiro na construção de soluções para a gestão das crises hídricas, mas com a mesma tranquilidade posso afirmar que isto não é um fato consolidado. Por seu papel estratégico, suas decisões técnicas não podem ser contaminadas pelos interesses econômico-financeiros dos agentes. Num ambiente predominantemente privado será. E será outro ONS. Sinceramente, não creio que um setor hidrelétrico predominantemente privado terá a mesma liberdade de condicionar a segurança energética à segurança hídrica de cada bacia. E não é apenas por uma questão de convicção, foram os fatos vivenciados na gestão dessas crises. Basta olhar para os conflitos entre os operadores privados no rio Madeira – os únicos existentes na bacia – para compreender o quanto que a lógica privada no setor hidroelétrico traz de complexidade à gestão da água, quase sempre com a judicialização das medidas propostas. Ainda mais, quando também o sistema interligado nacional estiver subordinado à lógica de um agente privado dominante, operando num ambiente predominantemente de Produtor Independente-PI de energia, cuja prioridade são seus contratos. O SIN corre sérios riscos de deixar ser o elemento estratégico hoje capaz de garantir a segurança hídrica nas bacias e ao mesmo tempo a segurança energética nacional. Não é à toa que vários países com características semelhantes ao Brasil mantem o núcleo de seu parque hidro gerador e do seu sistema de transmissão de energia públicos. Privatizar a Eletrobras, para além de outros fatores que tem sido apontados, representa também aumentar temerosamente a insegurança hídrica no país, diante de crises que serão cada vez mais intensas, mais frequentes e inéditas em suas características e efeitos. * Vicente Andreu, estatístico, ex-presidente da Agência Nacional de Águas-ANA
DIA 22 DE MARÇO É O DIA MUNDIAL DA ÁGUA!
Por Juliana Cassano Cibim[1] O acesso à água limpa e ao saneamento é considerado pela ONU como direitos humanos. Direitos humanos são considerados como direitos imperativos, ou seja, aqueles que devem prevalecer sobre qualquer outro. Água é recurso natural limitado, bem de domínio público, dotado de valor econômico. O uso múltiplo do recurso hídrico deve ser assegurado e em casos de escassez a prioridade é para abastecimento humano e dessedentação de animais. A racionalização do uso da água é um dos princípios da Política Nacional de Meio Ambiente. Água é direito humano e direito ambiental. Acesso à água limpa e ao saneamento são o mínimo que se deve ter quando se trata de dignidade humana e de sadia qualidade de vida, direitos constitucionais. Direito à água é direito à vida. Dia 22 de março é o Dia Mundial da Água! A cronologia que trouxe a água, um bem natural, à categoria dos direitos humanos é bem interessante… Em 2002 o Comite de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU adotaram o General Comment nº 15 sobre o direito à água. O Artigo I.1 determina que “o direito humano à água é indispensável para a vida e a dignidade humana[2]. 2002 foi ano da Conferência de Johanesburgo que teve foco nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio cujos objetivos era cuidar das pessoas: erradicar a pobreza, diminuir o índice de mortalidade infantil, cuidar as saúde, priorizar a equidade dos gêneros e a educação. A água é recurso fundamental nesse contexto de desenvolvimento sustentável! A década de 2005 até 2015 foi considerada pelas Nações Unidas a Década para a Ação – “Água para a vida” (Water for life[3]). Em 2010 à ONU reconheceu explicitamente o direito humano à agua e ao saneamento e que o acesso à agua limpa e potável e ao saneamento é essencial à concretização dos direitos humanos (Resolução 646/292). A Agenda 2030 traz os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) como “é um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade” e dentre os ODS está o Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos. No contexto nacional, a Política Brasileira de Recursos Hídricos faz 21 anos em 2018 e a Política Nacional de Saneamento faz 11 anos. São muitas as datas e os períodos que celebram a água e que destacam a importância desse recurso natural que deve ser preservado para as gerações presentes e futuras e que é imprescindível para a sadia qualidade de vida e para uma vida digna. As Nações Unidas apresentam para o Dia Mundial da Água de 2018 (World Water Day 2018) uma pergunta: “Como podemos reduzir enchentes, secas e poluição hídrica? Usando as soluções que já encontramos na natureza.” Nature for Water é o slogan desse ano! A ONU afirma que explorar as soluções baseada na natureza (e já existentes) é um dos desafios hídricos que enfrentamos no século 21. Esses são o desafio e a proposta sugeridos pela ONU para 2018. Ao entender que a desde 2002 o acesso à água limpa é um direito humano e que há anos é comprovada a relação entre água e floresta, água e controle de poluição, água e gestão. É comprovado que os programas de proteção das nascentes e matas ciliares tem garantido água em quantidade e qualidade suficiente para àqueles que protegem e usam o recurso hídrico. E que nas regiões onde os mananciais são ocupados, não há tratamento de esgoto e não há gestão hídrica há vulnerabilidade hídrica. As soluções estão por aí! A própria natureza é a solução. Fica simples de entender a motivação da ONU em propor o slogan Nature for Water! Ecossistemas degradados, matas ciliares desmatadas, erosões, ocupação irregular de área de manancial e área de preservação permanente, lançamento de esgoto e de efluentes químicos não tratados nos corpos d’água afetam diretamente a qualidade e quantidade de água. No artigo Funções eco-hidrológicas das florestas nativas e o Código Florestal, TAMBOSI et al (2015, p.151), afirmam que “a presença de florestas nativas pode desempenhar diversas funções eco-hidrológicas, como a regulação da quantidade de água, o controle da erosão e aporte de sedimentos e, consequentemente, influenciando os parâmetros físico-químicos dos cursos d’água”. E que a proteção desse capital natural em propriedades privadas tem sido garantida no Brasil pelo Código Florestal Brasileiro (Lei Federal n.12.561/12), apesar da modificação que levou à redução na extensão de vegetação nativa a ser conservada em Funções eco-hidrológicas das florestas nativas e o Código Florestal. Nesse contexto, é inegável observar que o Brasil tem vasto arcabouço jurídico sobre de proteção da vegetação e de controle de poluição hídrica[4]. No entanto, tudo isso por si só não garante que ações eficientes aconteçam. Há muitos desafios técnicos, econômicos e de consciência ambiental. Há que se ter governança! Alguns dos dados disponíveis reafirmam a urgência em priorizar ações, programas, planos e projetos sobre água e saneamento. E a urgência no foco em gestão e governança hídricas. Quando se fala em governança hídrica há que se observar a importância de entender as necessidades e os interesses dos diversos atores envolvimentos. Há que escutar atentamente o que cada um propõe para que então um seja proposta uma solução construída conjuntamente. Essa solução passa a ser uma das ferramentas de gestão hídrica, assim o direto ao acesso à água limpa terá sido respeitado. Segundo a ONU (2018[5]), hoje, 2.1 bilhões de pessoas vivem sem água potável em casa e isso afeta sua saúde, educação e qualidade de vida. O ODS 6 convoca o mundo a assegurar que todos tenham acesso à água limpa (safe water) até 2030 e inclui a meta de proteger os ecossistemas naturais pela proteção dos ambientas naturais e pela redução da poluição[6]. O Estado de São Paulo que viveu uma severa crise hídrica entre 2014 e 2015 continua em situação de alerta por ser uma região de vulnerabilidade hídrica[7]. Uma análise das notícias que saíram naquela época, feito pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade[8], demonstrou que a
ÁGUA E DIREITOS HUMANOS
Pedro R. Jacobi* De acordo com Organização das Nações Unidas (ONU) o a acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano essencial, intrinsecamente ligado aos direitos à vida, saúde, alimentação e habitação, sendo responsabilidade dos Estados assegurarem esses direitos a todos os seus cidadãos. Cerca de 40% da população mundial depende de bacias hidrográficas que sofrem da escassez severa de água durante pelo menos um mês ao ano, não restrita apenas a falta física da água, mas também ao acesso à água potável e ao saneamento. Entre as razões que contribuem para a escassez de água estão o crescimento da população, o aumento da demanda, o rápido ritmo de urbanização, a grande parcela de água utilizada na agricultura, o esgotamento dos aquíferos, as alterações climáticas, o desperdício do recurso, a poluição proveniente da agricultura, indústria e resíduos humanos, e, a má governança dos recursos hídricos. Nesta perspectiva, ao se abordar a crise hídrica, é preciso relacionar a questão que envolve a escassez de água ao desequilíbrio do acesso e a problemas no atual modelo de governança, assim como aos conflitos da disponibilidade que afetam principalmente a população mais carente. A defesa do direito humano à água prioriza o abastecimento humano em detrimento dos usos econômicos, assim como estabelece obrigações aos Estados para que este direito seja assegurado, numa lógica contrária à privatização dos serviços de abastecimento de água. Desta forma, a discussão que envolve a crise hídrica tem relações com a disponibilidade, o acesso e utilização, e à degradação das águas, com impacto nas dimensões sociais, políticas e econômicas. A recente crise hídrica na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) evidenciou um problema relacionado à gestão dos recursos hídricos e demonstrou a necessidade de estabelecer uma nova relação entre a gestão e o uso da água para garantir o consumo sustentável. Além dos problemas relacionados à gestão outros fatores se destacaram, como a crescente urbanização, o aumento da demanda, a infraestrutura inadequada, e, a falta de articulação entre os diversos stakeholders para a solução das questões críticas. Neste sentido a governança ganha centralidade, pois implica na implementação de políticas públicas que atendam às demandas sociais com a participação da sociedade, de forma que possam fortalecer a “gestão democrática, integrada e compartilhada”. A criticidade que envolve o tema da governança tem também relação com questões econômicas que acabam por influenciar as decisões, assim como o modelo de cobrança que traz a necessidade de novos instrumentos e conhecimentos para “avaliar a eficiência do atual modelo de administrar os usos das águas. Dessa forma, a inclusão da sociedade civil é fundamental como um elemento onde os atores sociais possam estar presentes no processo de gestão e que caracterize uma governança participativa e democrática. No entanto, em sistemas urbanos complexos, alguns dos desafios que a gestão da água urbana enfrenta incluem os interesses conflitantes entre os diferentes setores, a cooperação entre as organizações e especialistas, diferentes interpretações da gestão integrada da água, dinâmicas de poder, e, a falta de capacidade de intervenções. Neste sentido, os desafios da governança da água envolvem a participação efetiva dos cidadãos e das partes interessadas, assim como a resolução de conflitos e desequilíbrios, de forma que possa garantir a prestação eficiente e acessível de serviços, e, uma gestão sustentável dos recursos hídricos. A complexidade que envolve a solução para a gestão da água no estado de São Paulo necessita de um novo modelo de governança, que garanta tanto eficiência como efetividade, com a participação da sociedade nas ações e intervenções diante dos problemas e possíveis soluções. A dificuldade para implementação das políticas públicas ambientais contrasta com os avançados instrumentos legais. Portanto, há espaço para se pensar em uma política de longo prazo, com transparência de informações e que não só atenda às necessidades da população, mas que também permita a participação da sociedade civil nas decisões e responsabilidades que terão impacto direto em suas vidas. *Pedro Jacobi é Professor Titular do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental e Divisão Cientifica de Gestão, Ciência e Tecnologia Ambiental- DCGCTA/IEE Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e Editor da Revista Ambiente e Sociedade. prjacobi@gmail.com
OS DESAFIOS DO FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DA ÁGUA
Por Edson Aparecido Silva* Entre os dias 17 e 22 de março de 2018 na cidade de Brasília organizações e movimentos de trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, do Brasil e do mundo se reunirão no Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA). Será o maior encontro já ocorrido no Brasil cujo objetivo é unificar esforços na luta em defesa da água como direito e não mercadoria e contra todas as formas de privatização. O Fórum Alternativo Mundial da Água já é uma história de sucesso. Dezenove estados brasileiros constituíram comitês locais de organização do FAMA, sendo que alguns estados formaram mais de um comitê. Destaque-se que esses comitês têm surgido “de baixo pra cima”, a partir da articulação de movimentos de atingidos por barragens, trabalhadores (as) urbanos(as), trabalhadores (as) rurais, indígenas, quilombolas, pescadores (as), militantes religiosos, movimentos de moradia, acadêmicos e estudantes. Nos dias 17 e 18 de março na Universidade de Brasília (UNB), instituição parceira desde o início das articulações do FAMA, ocorrerão as atividades autogestionadas, que já são quase duzentas atividades inscritas, demonstrando o potencial e a necessidade de debater temas relacionados à água nas suas mais variadas interfaces. Entre os dias 19 e 22 o FAMA terá lugar no Pavilhão de exposições do Parque das Cidades onde ocorrerão as “plenárias unificadas” que tratarão de vários “macros” temas relacionados à agua, como a estratégia do capital e propostas do povo para fazer o enfrentamento. Também ocorrerá Assembleia das Mulheres e dos Povos Originários e Tradicionais, além de muitas atividades culturais. Estamos construindo um grande processo de luta que ocorrerá no dia 22 de março, dia mundial da água, em Brasília e simultaneamente em todos os estados brasileiros e nos países que conseguirmos mobilizar reafirmando nossa luta em defesa da água como direito e não mercadoria. Todo esse esforço foi a forma encontrada pelos movimentos para reafirmar que o 8º Fórum Mundial da Água (FMA), que também ocorrerá em março em Brasília, não representa a voz dos povos do Brasil e do mundo, historicamente excluídos do acesso aos bens comuns em geral e da água em particular. O lema do 8º FMA é: “Compartilhando a Água”. Cabe a nós perguntar: compartilhar que água, de quem, para quem e para que? Foram séculos de dominação dos países ricos que se desenvolveram às custas da apropriação e exploração desmedida das reservas estratégicas naturais dos países pobres em nome da reprodução do capital. Sua cartada agora é com relação água. Não está na agenda do 8ºFMA o questionamento do modelo de desenvolvimento capitalista predatório que coloca o lucro acima dos direitos das pessoas, dos animais e do planeta. Isso porque esse fórum tem entre seus apoiadores e organizadores grandes transnacionais que tem como seu principal insumo de produção a água, destaque para a Coca-Cola, Nestlê, Pepisco, entre outros, além de grandes empresas que controlam os serviços de abastecimento de água e saneamento no Brasil e no mundo. Temos alguns desafios que se tornarão o “legado” do FAMA. Dentre eles destaca-se a consolidação, ampliação e criação de novos comitês pelo Brasil e pelo mundo com a finalidade de dar sequência às lutas que originaram o FAMA e outro grande desafio é encontrarmos uma forma de mantermos essa articulação horizontal, democrática e participativa que pautou a construção do FAMA inclusive no nível internacional. Conclamamos todos os povos, dos mais distantes locais do Brasil e do mundo a se somarem no processo de construção do FAMA. Para isso é fundamental a solidariedade, a garantia da unidade dos movimentos e o compromisso de construção de um mundo melhor, justo e fraterno onde homens e mulheres, jovens, crianças e idosos não sejam mais excluídos de direitos básicos como o acesso a água, a moradia, a saúde, a educação. Água é Direito e não Mercadoria Fama 2018 * Sociólogo; Integra a Coordenação Nacional do FAMA; Mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC e Assessor de Saneamento da FNU Coletivo de Luta pela Água -SP
ÁGUA TEM QUE SER PRIORIDADE PARA TODOS
* Ricardo Andrade O Brasil se prepara para receber o 8º Fórum Mundial da Água, o maior evento global sobre questões hídricas, que pela primeira vez ocorre no Hemisfério Sul. Entre os dias 17 e 23 de março de 2018, em Brasília, representantes de mais de 150 países – cientistas, governantes, parlamentares, pessoas engajadas, ONGs, pesquisadores e cidadãos comuns – estarão reunidos para trocar experiências, analisar problemas e buscar soluções relacionadas ao uso consciente da água em todo o planeta. O Fórum Mundial da Água busca trazer, acima de tudo, educação e consciência ambiental. A água tem que entrar na agenda do cidadão comum, aquele que acha que a água nasce na torneira. A pretensão é fazer um fórum que de fato transforme a discussão política sobre a água, que eleve a preocupação com o tema da água. Para isso, é necessário que todos os setores da sociedade se engajem, participem do evento. O Brasil tem muita água doce, mas ela é mal distribuída. Onde tem água não tem gente e onde tem gente não tem água. Na Amazônia, tem água, mas tem baixa densidade populacional. No Nordeste, em quase todo o litoral brasileiro, tem gente, mas não tem água. E onde tem água e tem muita gente, muitas vezes, a água é poluída e desperdiçada. Essas questões e a crise hídrica que afeta muitas cidades pelo país reforçam a importância de realizar o Fórum em Brasília. Não é possível oferecer água de boa qualidade no tempo certo e no lugar correto se não houver financiamento e uma boa governança. Os investimentos do governo avançaram, a conscientização da população avançou. Estamos avançando, e organizações como a Agência Nacional de Águas (ANA), as agências reguladoras estaduais, as companhias de saneamento, os governos, no Brasil em especial, têm trabalhado incansavelmente. “Compartilhando Água” é o tema central do 8º Fórum Mundial da Água. O evento mais de 100 expositores, cerca de 1.300 palestrantes e mais de 5 mil pessoas já estão inscritas para participar das mais de 280 sessões. Além do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, o Fórum vai ocupar cerca de 38 mil metros quadrados da área externa do Estádio Nacional Mané Garrincha, onde funcionarão a Expo (restrita aos participantes do Fórum), a Feira e a Vila Cidadã (espaços de participação gratuita, abertos ao público em geral). A expectativa é que o evento receba mais de 40 mil pessoas. Na Vila Cidadã haverá mostra de cinema com exibições de longas e curta-metragem que tem a água como tema principal. A Vila também terá um mercado de soluções, espaço onde serão apresentadas soluções para o tema água. A programação para o público também se estenderá pela noite com várias apresentações culturais. O Fórum está comprometido com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), tema da terceira rodada de debates na plataforma online Sua Voz. Pessoas do mundo todo podem participar das discussões até o dia 12 de março. Até agora, mais de 15 mil sugestões foram apresentadas pelos participantes e serão levadas para o evento. A expectativa é que, após o evento, as pessoas entendam que é preciso mudar o padrão de consumo, e promover o uso consciente e sustentável dos recursos hídricos para que a água, indispensável à vida, não acabe. O 8º Fórum Mundial da Água será realizado entre os dias 17 e 23 de março de 2018, em Brasília. O evento é organizado pelo Conselho Mundial da Água (WWC), pelo Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, com apoio da Agência Nacional das Águas (ANA), e pelo Governo do Distrito Federal, com apoio da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa). *RICARDO ANDRADE é engenheiro civil, graduado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil. Diretor da Agência Nacional de Águas do Brasil (ANA), responsável pela agenda de governança da água da ANA. Representa a ANA no Conselho Nacional de Recursos Hídricos e no Conselho Nacional do Meio Ambiente. É também Governador no Conselho Mundial da Água e Diretor Executivo da 8ª Secretaria do Fórum Mundial da Água.
GOVERNANÇA DAS ÁGUAS Conceito em Debate
*Angelo José Rodrigues Lima Muito falamos sobre governança em nossos debates sobre a construção do Observatório, motivado por isso, escrevo o artigo sobre o tema, apenas para iniciar a discussão. A palavra governança é originada do verbo grego pilotar, navegar e foi utilizado metaforicamente por Platão para definir o ato de governar os homens. Do latim gubernare, as raízes do termo remetem à palavra grega kybernan, que se refere às manobras de um navio, (SEYLE; KINK, 2014). O termo governança é relativamente recente na literatura e tem sido usado de forma bastante eclética por diferentes ramos das ciências sociais. Sua origem está associada à esfera da gestão de organizações (governança corporativa), mas tem também forte uso na ciência política (governança pública). A primeira diferença importante que deve ser feita é entre Governabilidade e Governança. Governabilidade é o conjunto de condições necessárias ao exercício do poder. A Governabilidade expressa a possibilidade em abstrato de realizar políticas públicas, (DINIZ, 1996). Neste caso, quando se fala de governabilidade, trata-se do governo em si. Governança é a competência do governo de praticar as decisões tomadas ou, em outras palavras, a capacidade de governo do Estado. Envolve a disposição institucional pela qual a autoridade é exercida, de modo a propiciar as condições financeiras e administrativas indispensáveis à execução dos arranjos que o governo adota, (DINIZ, 1996). Governabilidade diz somente respeito do governo. Já governança, mesmo que a origem venha do setor privado, evolui e neste caso, já diz mais respeito as formas de exercitar este governo. Uma consideração importante, é o entendimento do que seja governança e gestão. Segundo Silva, “a governança como conceito, por exemplo, pode ser trabalhada como um recurso cognitivo, com a força de um paradigma, auxiliando a construir leituras complexas da crise e encontrar soluções inovadoras e duradouras. A gestão, por outro lado, além de seu componente conceitual, pode ser trabalhada como uma técnica que inclua as atividades de planejamento e de mediação, transcendendo seus limites disciplinares”. Portanto, governança é fundamental pois prepara a gestão, governança é o processo e gestão é a prática, a operacionalização. A governança bem preparada, pode contribuir muito para que a gestão tenha mais resultados. Segundo Castro (2007), “a governança, sendo democrática, é um processo político que pode se caracterizar pelo confronto de projetos políticos rivais, fundamentados em diferentes valores e princípios. Consequentemente, a discussão sobre governança ainda ressalta a necessidade do debate político sobre os diferentes valores e princípios existentes na sociedade”. Castro (2007) “chama a atenção para um ponto bastante relevante, que são as diferenças de pensamento político, cultural, econômico e social presentes na sociedade e, para que a governança seja adequada, isto deve ser adequadamente tratado”. GOVERNANÇA DAS ÁGUAS O termo governança da água surgiu em documentos oficiais pela primeira vez no ano de 2002, na Política Nacional de Águas do Québec. Esta foi resultado de um processo de cinco anos, que se iniciou com a participação de toda população. O processo de governança, previsto pela política, leva em consideração interesses sociais, econômicos, ambientais e também de saúde, tendo como finalidade a aplicação dos princípios do desenvolvimento sustentável e o estabelecimento das condições favoráveis para o bem-estar e a qualidade de vida das gerações presentes e futuras, (QUEBÉC, 2002). A Política Nacional de Águas do Québec estabelece que a governança deve estar focada em três pontos fundamentais: 1) liderança local e regional para os processos de gestão e liderança provincial para a governança; 2) responsabilidade dos envolvidos com respeito a suas próprias ações de gestão e ao impacto de suas decisões numa perspectiva de longo prazo para todos os usuários e indivíduos do ecossistema em questão; 3) articulação entre todos atores envolvidos no planejamento e implementação dos projetos para restauração, proteção e desenvolvimento que assegurarão a sustentabilidade dos recursos hídricos e dos ecossistemas aquáticos. Ressalta-se ainda que, devem fazer parte de todo processo, o envolvimento público e a disseminação de informações, medidas adotadas e suas conseqüências, (QUEBÉC, 2002). O Global Water Parternship (ROGERS; HALL, 2003) é o principal ator internacional a fomentar a ideia da crise hídrica como uma crise de governança e que a gestão integrada dos recursos hídricos é o único meio viável de atingir um uso e gestão sustentáveis. A governança da água envolve os sistemas políticos, legais, econômicos e administrativos responsáveis pela gestão dos recursos hídricos e pelos serviços hídricos fornecidos aos vários níveis da sociedade, bem como reconhece o papel dos serviços ecossistêmicos da água (UN/WWAP, 2009). Por meio de sua prática, poderia se solucionar os problemas relacionados às instituições e processos que gerenciam a água, às deficiências no quadro normativo, aos investimentos inadequados, à base técnica deficitária, à falta de suporte social, corrupção ou descrença no governo e nas políticas públicas, dentre outros. Governança da água é “o leque de políticas, organizacional e processos administrativos, através dos quais as comunidades articulam os seus interesses, elas conseguem inserir suas contribuições, decisões são tomadas e implementadas e os tomadores de decisão são responsáveis no desenvolvimento e na gestão da água recursos e prestação de serviços de água”, (BAKKER, 2003, p. 5). Ao final, dois conceitos sobre Governanança, são os que mais se aproximam do processo que acontece na gestão descentralizada e participativa. Um deles encontra-se em Kooiman (1993) que diz que o conceito de Governança se baseia em multiplicidade de atores, sua interdependência, objetivos compartilhados, fronteiras fluídas entre público, privado e esferas associativas e multiplicidade de formas de ação, intervenção e controle. O outro é: “Governança é o conjunto de mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade, o que implica expandir e aperfeiçoar os meios de interlocução e de administração do jogo de interesses. As novas condições internacionais e a complexidade crescente da ordem social pressupõem um estado dotado de maior flexibilidade, capaz de descentralizar funções, transferir responsabilidades e alargar, em lugar de restringir, o universo dos atores participantes, sem abrir mão dos instrumentos de controle e supervisão, (DINIZ, 1997, p. 196)”. O debate sobre o conceito de governança é