OBSERVATÓRIO DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS NOTA SOBRE A TRAGÉDIA DA VALE EM BRUMADINHO (MG) – LIÇÕES QUE DEVEM SER APRENDIDAS – O OBSERVATÓRIO DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS (OGA Brasil) manifesta total solidariedade às famílias dos atingidos pelo rompimento da Barragem em Brumadinho (MG) e pelos impactos ambientais oriundos da tragédia. Algumas lições precisam ser aprendidas para que tragédias não se repitam: O OGA Brasil, cujo objetivo é construir uma ferramenta para monitorar a governança para o funcionamento pleno da gestão das águas, entende que é vital que ocorra a integração da política nacional de recursos hídricos com a política nacional de segurança de barragens. Reforçamos o importante papel que as instituições que compõem o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) na solução dos desafios da recuperação da bacia, incluindo não somente os aspectos ambientais, mas também do desenvolvimento econômico e social. Não nos parece necessário resolver esta situação criando ou buscando novas instituições, as existentes no âmbito do SINGREH são capazes de apresentar e implementar soluções para os desafios oriundos da tragédia, além do que nelas já temos representados todos os setores: público, privado e sociedade civil. Garantir a participação das famílias e população atingida no processo de quaisquer tomada decisão com vistas a remediação, recuperação, compensações e mitigação de problemas advindos de tais tragédias promove medidas assertivas e a necessária transparência. Neste contexto, os Comitês das Bacias dos rios Paraopeba, Velhas e São Francisco, o Fórum Mineiro de Comitês de Bacias e o Fórum Nacional de Comitês de Bacias, bem como os Conselhos Nacional e Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais e dos estados que abrangem o rio São Francisco são protagonistas. Os planos de contingências e a obrigação da realização de simulações sejam efetivados conforme, rege a Lei Federal 12.334/2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens. É fundamental garantir transparência para os processos de licenciamento e ao mesmo tempo garantir rigor para que as licenças sejam dadas no tempo adequado para cada tipo de empreendimento e priorizando novas tecnologias e medidas que tragam maior segurança ambiental e social. Entendemos que não é momento de flexibilizar e afrouxar esses mecanismos já fragilizados em decorrência dos últimos acontecimentos e não podemos permitir que tais tragédias se repitam. Manter a sociedade informada, garantindo o acesso à informação pública para consolidar um Sistema de Monitoramento com indicadores do da evolução dos processos, desde o licenciamento até a operação destas barragens. Aplicar a conversão de multas que está previsto pela Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) na Bacia do rio Paraopeba para prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente, sendo importante reafirmar que a conversão da multa não desobriga o autuado do dever de reparar os danos decorrentes das infrações que resultaram na autuação. Além disso, é necessário que se investigue à fundo as responsabilidades desta tragédia. Por fim, reafirmamos a importância do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) e do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA sob uma perspectiva dos princípios da prevenção / precaução e do desenvolvimento sustentável e também da garantia dos usos múltiplos da água. O OGA registra sua tristeza ao ver mananciais impactados e vidas humanas perdidas e se coloca à disposição para colaborar com a governança da água e gestão integrada entre recursos hídricos e segurança em barragens; OBSERVATÓRIO DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS MARÇO DE 2019 OBS: Esta nota não necessariamente reflete a posição do conjunto das instituições que fazem parte do Observatório da Governança das Águas.
As incertezas na gestão dos recursos hídricos com os novos arranjos institucionais*
*Por Daniela Maimoni de Figueiredo. Em novembro de 2018, logo após o segundo turno da eleição para presidente, Bolsonaro e sua equipe anunciaram a fusão do Ministério de Meio Ambiente com o de Agricultura, provocando intensa reação contrária de vários setores que sabem da importância da área ambiental e dos claros conflitos de interesse entre essas pastas. Após a posse do novo governo, essa ideia foi descartada, mas outros arranjos institucionais foram criados, resultando nos Decretos nº 9.666 e 9.672 de 02 de janeiro de 2019, os quais, entre outras medidas, transferiram todo o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH) e a Agência Nacional de Águas (ANA) da pasta de Meio Ambiente para o Ministério de Desenvolvimento Regional. As reações a essa mudança foram tímidas, mas algumas dúvidas e incertezas pairam sobre os que estão direta ou indiretamente envolvidos com o setor de recursos hídricos, as quais merecem reflexão. Em pouco mais de 20 anos da aprovação da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n° 9.433 de 1997), na qual se baseia toda a gestão dos recursos hídricos no país, muitos foram os avanços legais, institucionais, democráticos e de ações de controle, manejo, planejamento e conservação das águas. Porém, ainda existem várias lacunas e melhorias necessárias, especialmente no que se refere à efetiva gestão integrada e sistêmica no âmbito das bacias hidrográficas, à melhoria na conexão com as outras políticas ambientais e vários setores correlatos (saneamento, energia), à participação social, uma vez que existem assimetrias no poder decisório de alguns foros colegiados que compõem o SINGREH, e o acesso igualitário à água, tendo em vista que as desigualdades e os conflitos gerados são uma realidade. A grande heterogeneidade na disponibilidade de água e a realidade hídrica-social-ambiental das diferentes regiões do país, o funcionamento tradicional e centralizador da burocracia estatal, as crises de escassez quantitativa e os problemas de poluição e contaminação em vários rios do país são também um grande desafio na gestão das águas e indicadores das lacunas da gestão. Com as considerações acima, percebe-se que são inevitáveis as incertezas quanto ao futuro desse setor estratégico com a mudança proposta pelo novo governo. Os recursos hídricos, historicamente e intrinsecamente, estão relacionados ao Meio Ambiente, porém, mesmo não tendo sido propostas alterações nas atribuições da ANA e na Lei das Águas, que inclui o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), algumas das incertezas merecem ser destacadas: O Brasil é um país eminentemente formado por rios, cujas águas são fundamentais para as atividades econômicas e, principalmente, para a manutenção da vida humana de outros seres vivos que dela dependem. Nos ecossistemas aquáticos vivem inúmeras espécies da flora e da fauna brasileira, mantidos pelos processos ambientais. O equilíbrio desses ecossistemas é o que mantém a disponibilidade de água em quantidade e em qualidade adequadas para a vida humana, incluindo as atividades econômicas. Com isso, a abordagem dos rios como ecossistemas é fundamental na gestão dos recursos hídricos, mas nem sempre adotado no arranjo institucional até então vigente. Considerando a importância dessa abordagem, ela será mantida com a mudança do setor de recursos hídricos para o Ministério de Desenvolvimento Regional? Em praticamente todos os Estados brasileiros, com algumas exceções, a Gestão dos Recursos Hídricos é efetuada dentro das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, que por sua vez coordenam os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, que fazem parte do SINGREH. Essas Secretarias Estaduais deverão trabalhar tanto com o Ministério de Meio Ambiente, no que concerne às atuais competências deste órgão (Decreto nº 9.672 de 02 de janeiro de 2019), quanto com o Ministério de Desenvolvimento Regional, no que se refere aos Recursos Hídricos? Vale lembrar que, mesmo com a estrutura antiga (válida até 31 de dezembro de 2018), já existiam obstáculos na integração entre o setor de recursos hídricos com as outras políticas ambientais. Considerando que a gestão dos rios federais (aqueles que banham mais de um Estado brasileiro), é de responsabilidade da ANA, e dos rios estaduais (aqueles que as nascentes e a foz dentro de um único Estado e são, geralmente, afluentes dos rios federais), é de responsabilidade das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, como fica a integração dessa gestão entre dois Ministérios diferentes, especialmente no que se refere à outorga de uso da água e aos planos de bacias hidrográficas? Considerando que o licenciamento ambiental só pode ser aprovado após a outorga de uso da água (na maioria dos Estados) e que ambos são complementares e instrumentos de gestão, controle e planejamento ambiental, como serão efetuados esses procedimentos em dois ministérios diferentes, no caso de rios federais? No caso de rios estaduais, os empreendedores deverão continuar solicitando a licença e a outorga nas Secretarias Estaduais de Meio Ambiente? Considerando que já existem inúmeros conflitos de uso da água e crises históricas, impensáveis há poucos anos atrás, que resultaram em enormes prejuízos econômicos, ambientais e sociais e até em tragédias, e que esses conflitos e crises estão relacionados, entre outros fatores, às falhas na gestão integrada entre os recursos hídricos e demais políticas ambientais, como poderão ser evitados ou resolvidos tendo em vista a separação destes dois setores em dois Ministérios diferentes? Conforme a o Decreto nº 9.666 de 02 de janeiro de 2019, compete ao Ministério de Desenvolvimento Regional, além da política de recursos hídricos, a implementação das políticas de saneamento e irrigação, que são dois setores usuários da água que precisam de outorga. No caso dos rios federais, essa outorga é expedida pela ANA, ou seja, o setor controlador, fiscalizador e responsável técnico pela concessão da outorga de água para captação, diluição de esgoto ou irrigação fará parte do mesmo Ministério de dois importantes setores solicitantes de outorgas. A incerteza refere-se ao potencial em ocorrer conflitos de interesse na mesma pasta, tendo juntos setor usuário da água e setor regulador desses usos. Caso ocorra algum impasse, quais critérios serão adotadas para a tomada de decisão adequada, que vise o bem comum? Os conselhos estaduais de recursos hídricos são presididos, geralmente, pelo órgãos gestor de
A construção do Sistema Paulista de Gestão de Recursos Hídricos*
A Construção do Sistema Paulista de Gestão de Recursos Hídricos *Artigo de Gerôncio Albuquerque Rocha apresentado no SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS da Associação Brasileira de Recursos Hídricos – Gramado, RS, 5 a 8 de outubro de 1998. Resumo – A lei paulista de recursos hídricos, aprovada em 1991, tem um forte conteúdo programático expresso em suas diretrizes básicas: a garantia do uso múltiplo das águas, com prioridade para o abastecimento público, segundo um plano; a cobrança pela utilização dos recursos hídricos para a recuperação ambiental das bacias e a organização de foros democráticos de decisão sobre as diretrizes e prioridades de uso e conservação das águas. O texto foi parcialmente utilizado na publicação “Gestão das águas: 6 anos de percurso”, citada. As opiniões e eventuais idiossincrasias são de exclusiva responsabilidade do autor. Agradecimentos aos colegas Alexandre Liazi (edição) e Maria Dulce de Souza (digitação) Copie o artigo completo aqui>GEO – ConstrucaoSistemaPaulista2 (1)
A relevância da alocação de água e vazões de entrega na revitalização do rio São Francisco
Por Ailton Francisco da Rocha[1] O rio São Francisco vem de Minas Gera, cruza o semiárido nordestino e deságua no oceano Atlântico, na fronteira entre os estados de Sergipe e Alagoas, após percorrer lentamente 2.863 km, com uma vazão natural média em Sobradinho de 2.589 m³/s (1931-2016), em que 95% do seu potencial hídrico se concentra nas regiões fisiográficas do alto e médio trecho, através da contribuição dos seus principais afluentes localizados nos estados de Minas Gerais e Bahia. As águas do São Francisco são fundamentais para o desenvolvimento da região, a partir do uso múltiplo das suas águas destinadas para a geração de energia, irrigação, abastecimento humano, dessedentação animal, uso industrial, atividade minerária, pesca, navegação, transposição de bacias e preservação ambiental, agora ampliado com a transposição para o nordeste setentrional. O uso da água por todos estes setores tem se intensificado a cada ano, a ponto de hoje já não ser possível atender a todos, culminando em um conflito pelo uso da água. Com 48% de sua bacia hidrográfica desmatada, comprometendo inclusive áreas de recarga, segundo o Plano de Recursos Hídricos recentemente aprovado pelo CBHSF, foram identificados vários desafios que estão relacionados com a resolução dos principais problemas identificados. Alguns dos mais mencionados são: a) resolver os problemas de governança, notadamente simplificar e desburocratizar o sistema de outorgas, gestão dos reservatórios visando o múltiplo uso da água, intensificar a fiscalização em todas as áreas de atuação da bacia hidrográfica e melhorar a articulação entre os órgãos que intervêm no gerenciamento das águas da bacia hidrográfica (municipais, estaduais e federal); b) investir significativamente na melhoria do sistema de saneamento; c) apostar na conscientização ambiental da população e restabelecer sua confiança nos instrumentos de ordenamento e gerenciamento dos recursos e do território e nos organismos que os elaboram e aplicam; d) implementar um plano estruturado e abrangente de revitalização da bacia hidrográfica com reflorestação das áreas mais prejudicadas (cerrado, caatinga e mata ciliar) e das que garantem proteção de nascentes e mananciais; e) implantar o pacto das aguas superficiais e subterrâneas com definição das vazões de entrega, diretriz apontada desde o Plano Decenal elaborado em 2004, a partir da criação de um convênio de gestão integrada. O PRH-SF 2016-2025 propõe o desafio da construção do “Pacto das Águas”, a ser formalizado como um convênio. Este Pacto envolve a União, os entes federados (estados e municípios) e os comitês de bacia hidrográfica, e compromissos de: alocação de água por sub-bacia e definição das vazões de entrega na calha principal, diferenciadas conforme as regiões (em particular no semiárido) e atendendo a critérios de sazonalidade e níveis de água a jusante, em particular na calha principal; priorização dos diferentes usos da água; definição de regras de gestão operacional dos principais reservatórios; aprimoramento dos principais instrumentos de gestão de recursos hídricos da bacia; melhoria do conhecimento e do controle da qualidade e quantidade das águas e e revitalização da bacia hidrográfica. A alocação de água tem por objetivo principal a garantia de fornecimento de água aos atuais e futuros usuários de recursos hídricos, respeitando-se a compatibilização dos múltiplos usos e as necessidades ambientais em termos de vazões a serem mantidas nos rios. No enfrentamento da crise hídrica dos últimos sete anos anos, a Agência Nacional de Águas com a participação dos diversos atores que atuam na bacia, estabeleceu por meio de resoluções as vazões mínimas a serem liberadas pelos reservatórios de Três Marias, Sobradinho e Xingó, evitando que os dois primeiros corressem o risco de serem operados no volume morto. Espera-se com o retorno da normalidade das chuvas que seja possível sair desta gestão de crise e adentrar numa gestão de risco operando estes reservatórios através de faixas conforme estabelecidas na Resolução Nº 2.081/ANA, de 04 de dezembro de 2017 que Dispõe sobre as condições para a operação do Sistema Hídrico do Rio São Francisco. Na investigação dos princípios da alocação de recursos escassos, há vários estudos que indicam modelos e mecanismos de alocação de água, cada um deles com suas vantagens e desvantagens. No caso da bacia hidrográfica do rio São Francisco, em decorrência das suas especificidades, defendo a aplicação do mecanismo de alocação de água por uma instituição pública, no caso em tela a Agência Nacional de Água, notadamente a partir de amplas discussões no âmbito dos órgãos gestores, de comitês de bacias e representantes dos diversos setores usuários. Não é tarefa fácil, mas creio que já tenhamos maturidade e conhecimento suficientes para por em prática a sua execução, inclusive implantando iniciativas ao uso racional da água. A alocação feita por agentes públicos permite perseguir objetivos equitativos e tem a possibilidade de tratar com os vários aspectos dos recursos hídricos que requerem investimentos de longo prazo. Segundo Lopes, A. V.; Freitas, M. A. de S (2007), a partir das diferentes experiências brasileiras: alocação negociada nos açudes do Ceará, nos reservatórios da bacia do rio Verde Grande e no rio Piranhas-Açu, da alocação de água na bacia do rio Paraíba do Sul e da proposta de alocação de água do Plano da Bacia do Rio São Francisco, alguns aspectos conceituais e metodológicos podem ser sistematizados, tais como: a) pontos de controle, contendo elementos discretos, como sub-bacias de rios afluentes e trechos de rios, delimitados por pontos de controle estrategicamente situados; b) disponibilidade hídrica que deve ser estimada por vazões com alta permanência no tempo, para que sejam também altas as garantias de fornecimento de água; c) vazões mínimas e necessidades ambientais para o atendimento a usos não consuntivos, como a manutenção de ecossistemas e a navegação; d) vazão total alocada que atenda aos consumos atuais e futuros em cada sub-bacia e trechos dos rios; e) distribuição das vazões alocadas, com base na negociação social, em definições do poder público, em critérios técnicos ou em critérios econômicos; f) legitimação política entre os atores envolvidos, notadamente, os órgãos gestores de recursos hídricos e as entidades responsáveis pelas políticas setoriais. Notadamente que ainda há avanços a serem obtidos quanto aos aspectos conceituais e metodológicos dos
Estiagem e corte drástico de recursos agravam a gestão das águas no país
Por Mario Mantovani e Malu Ribeiro* A volta da chuva nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país foram um alento para minimizar o impacto das queimadas, melhorar a qualidade do ar e bem-estar das pessoas e contribuir para a produção agrícola e de outros setores, mas ainda está muito abaixo das médias históricas. Mais de 917 municípios brasileiros estão em situação de escassez hídrica, segundo dados da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil. E o boletim de Previsão de Impactos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) indica que os principais reservatórios de abastecimento público apresentam níveis críticos para o trimestre de agosto a outubro de 2018. A projeção é de que, mesmo com a volta das chuvas dentro ou acima da média nos próximos três meses, a vazão afluente – medida das águas que entram nos reservatórios – ficará abaixo do normal, especialmente no Sistema Cantareira (SP), de Três Marias (MG) e de Serra da Mesa (Goiás), além dos açudes do semiárido nordestino. Essa situação reaviva a memória recente da crise hídrica de 2014 na região Sudeste e faz com que as atenções da sociedade se voltem novamente para o acompanhamento do nível dos reservatórios, quando, na verdade, o importante deveria ser combater as causas desse recorrente problema. O desmatamento e a falta de cobertura florestal nativa na proteção de nascentes e cabeceiras dos rios, associados aos maus usos do solo, ocupação irregular nas áreas de mananciais e ausência de controle e fiscalização do poder público, são fatores que potencializam os impactos do clima e agravam a escassez. Nas áreas urbanas, os rios que em sua maioria são utilizados para diluir esgoto com precários índices de tratamento, ou sem tratamento algum, não podem ser utilizados, prejudicando o abastecimento da população, uma vez que estão poluídos e indisponíveis para usos múltiplos da água. Somam-se a esses fatores críticos a vigência de normas e leis permissivas para uso de poluentes e venenos invisíveis, que são cumulativos no ambiente e perigosos para a saúde. Empregados sem controle por alguns setores da agricultura, contaminam aquíferos em diversas regiões do país e pioram o problema da falta de água. O aquífero Guarani, que se estende por 1,8 milhão de km2 e é a maior reserva subterrânea de água doce do Planeta, apresenta altos índices de fosfato e nitrato, assim como outras águas subterrâneas e reservatórios superficiais Brasil afora. Mesmo assim, o risco eminente de uma nova crise hídrica não vem sendo suficiente para impedir que as leis ambientais continuem a ser flexibilizadas para que poluidores não sejam punidos ou não precisem pagar pelo mau uso. Exemplo negativo nesse sentido vem do estado do Paraná que quer enquadrar grandes rios de suas bacias hidrográficas na classe 4, que não impõe limites para diluição de poluentes. Dessa forma, as companhias de saneamento básico do estado assumem a incapacidade de tratar esgoto de forma eficiente e, para não pagar por isso, buscam rebaixar a classe dos rios paranaenses. É preciso combater esse tipo de retrocesso e planejar ações progressivas de recuperação florestal nas bacias hidrográficas, com instrumentos de gestão como os que valorizam proprietários de terra que produzem, protegem o ambiente e usam a água de forma sustentável. O mesmo vale para as cidades, valorizando aquelas que controlam suas perdas e não desperdiçam água naquilo que é mais perverso – usar rios para diluir esgoto. Do contrário, os desafios para enfrentar a crise hídrica serão intensificados por normas na contramão do que a comunidade científica, organizações civis e organismos de bacias têm recomendado, à exemplo da Lei 13.661/18, que alterou a regra da Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH) e reduziu em R$ 510 milhões/ano o montante destinado ao Sistema Nacional de Recursos Hídricos e aos Comitês de Bacias Hidrográficas responsáveis pela gestão da água. No estado São Paulo, a redução de receita decorrente da nova lei será de R$ 59,1 milhões neste ano. O Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro) que viabiliza projetos de municípios, usuários de água e sociedade civil integrantes de Comitês de Bacias Hidrográficas, também será impactado e terá a receita de R$ 74,5 milhões reduzida para R$ 41,1 milhões. Vários estados brasileiros que ainda não implementaram instrumentos econômicos próprios serão ainda mais prejudicados. O Fórum Nacional de Comitês de Bacias reuniu em Florianópolis, de 20 a 24 de agosto, representantes de mais de 232 Comitês de Bacias para debater, dentre diversos temas técnicos e de governança, os impactos dessa nova regra. O grande equívoco dessa lei não é apenas a redução de verbas para o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, mas também colocar interesses eleitorais acima da ciência e dos direitos da sociedade e não considerar os princípios da Política Nacional de Recursos Hídricos. Reverter o descompasso e o distanciamento do parlamento brasileiro das reais necessidades da sociedade é urgente. Para que possamos colocar em prática as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 6 que trata de água limpa e saneamento, é preciso fortalecer as leis ambientais, aprimorar a norma que trata do enquadramento dos corpos d’água, excluindo os rios de classe 4 da legislação brasileira e reconhecer a importância da relação entre floresta nativa e água. Assim, poderemos colocar a água na agenda estratégica do Brasil, com investimentos e instrumentos de gestão compatíveis ao tamanho do desafio e vencer o desafio de garantir o acesso à água limpa para todos. *Mario Mantovani e Malu Ribeiro são, respectivamente, diretor de Políticas Públicas e especialista em Água da Fundação SOS Mata Atlântica.
Panorama da gestão de recursos hídricos no Brasil e o Encontro Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (ENCOB)
Artigo de Vera Lúcia Teixeira* Resumo Este artigo possui o objetivo descrever um panorama da gestão de recursos hídricos no Brasil seus avanços e desafios e o papel do Encontro Nacional de Comitês de Bacias hidrográficas o ENCOB para a gestão de recursos hídricos. Para tal, foram realizadas pesquisa nos websites da legislação existente. Pretende-se, contanto, contribuir para a gestão participativa dos recursos hídricos e suas políticas públicas. Palavras-chave: Governança de Recursos Hídricos, Gestão Participativa, Fórum nacional Introdução O Brasil é um país considerado rico em quantidade de água. Há 20 anos possui uma lei conhecida como a lei das águas, a 9433/97, mas, apesar do grande avanço, existem ainda alguns desafios a serem enfrentados, uma vez que a distribuição hídrica no território nacional é desigual: “Em termos globais o Brasil possui grande oferta de água. Esse recurso natural, entretanto, encontra-se distribuído de forma heterogênea no território nacional […] 205.00 m3/s estão localizados na bacia do rio Amazonas, […] restando para o restante 55.000 m3/s[…] (BRASIL, 2016, p. 23). As informações externadas nesse texto trazem bastante da minha vida venho de movimentos sociais na década de setenta e na década de oitenta comecei a participar de movimentos ambientais e, em todos os grupos que participei, desenvolvíamos ações para recuperação do rio Paraíba do Sul. Com a constituição de 1988, que amplia os movimentos sociais e ambientais, a criação do CEIVAP, em 1996, que começa a trabalhar a integração dos rios estaduais com o rio federal, e com a Lei 9433, que descentraliza a gestão das águas e confere valor econômico a água. Começo a participar do CEIVAP e vejo uma oportunidade de lutar pela recuperação do rio Paraíba do Sul de forma mais efetiva. Ao longo destes anos, tivemos muitos avanços e ainda temos muitos desafios a enfrentar. O Encontro Nacional de Comitês de Bacia Hidrográficas – ENCOB que está na sua vigésima edição é um bom espaço de discussões e de mobilizações sociais, onde podemos refletir sobre o estado da arte da gestão de recursos hídricos nos estados do Brasil. Neste texto pretendo fazer um panorama da política de recursos hídrico no Brasil e o papel do ENCOB. 1 A Gestão de Recursos Hídricos no Brasil A água, apesar de ser um recurso abundante no Brasil, não se encontra distribuída de forma homogênea. Segundo o informe 2016 da Conjuntura de recursos hídricos (BRASIL, 2016, p. 23): “Passam pelo território brasileiro, em média, cerca 260.000 m3/s de água, dos quais 205.000 m3/s estão localizados na bacia do rio Amazonas, restando para o restante do território 55.000 m3/s de vazão média.” Na busca de planejar a Política Nacional de Recursos Hídricos e estabelecer uma base organizacional por bacias hidrográficas como unidade de gerenciamento, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, através da Resolução 32, de 15 de outubro de 2003, estabeleceu a divisão hidrográfica conforme mostra a Figura 1 (anexa). No entanto, a Gestão das Águas no Brasil, buscando a preservação, proteção e o seu devido uso, já acontece há algum tempo. Podemos perceber isso pela evolução dos decretos e leis que foram editados no país, como o código das águas, Decreto 24.643 de 10 de julho de 1934[1], no livro II, Aproveitamento das Águas, Título I, Águas comuns de todos, Capítulo Único, no artigo 34, que registra: “É assegurado o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de águas, para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho público que a torne acessível”. E, no artigo 35: “Se não houver este caminho, os proprietários marginais não podem impedir que os seus vizinhos se aproveitem das mesmas para aquele fim, contanto que sejam indenizados dos prejuízos que sofrerem com o trânsito pelos seus prédios”. Na Constituição Federal, promulgada em 1988, em seu Capitulo II, Da União, artigo 21, inciso XIX, a preocupação com a gestão das águas se faz presente: “Instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direito de uso” e, em seu Capitulo VI, Do Meio Ambiente, artigo 225, ressalta-se: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem pelo uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988, p. 20, 99, 100). Podemos perceber, então, que a Constituição Federal começa a desenhar a Gestão de Recursos Hídricos no Brasil. Quase dez anos depois, em janeiro de 1997, com a publicação da Lei 9433, acontece a regulamentação da Política Nacional de Recursos Hídricos, com várias inovações, tendo alguns princípios fundamentais básicos, destacados em seu artigo primeiro, como: I- a água é um bem de domínio público; II- a água é um recurso natural limitado; dotado de valor econômico; III- em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV- a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplos das águas; V- a bacia hidrográfica e a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e a atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades (BRASIL, 2001, p. 11). O artigo quinto apresenta alguns instrumentos para implementação da lei como: “I- o plano de Recursos Hídricos; II- o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; III- a cobrança pelos recursos hídricos e V- o sistema de informações sobre recursos hídricos” (BRASIL, 2001, p. 12). Em 1998, acontece a regulamentação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, através do decreto 2612, de 3 de junho de 1998, um órgão consultivo e deliberativo. Dentre suas atribuições, descritas no artigo primeiro e seus incisos, destacamos: I – promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais de Recursos Hídricos; II – arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de
O ENCOB: um pouco da história e o futuro da gestão democrática, descentralizada e participativa dos recursos hídricos
UMA SINGELA HOMENAGEM PARA QUEM INICIOU O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO FÓRUM NACIONAL DE COMITÊS DE BACIAS E SEUS ENCONTROS Artigo de Angelo José Rodrigues Lima* Na semana de 20 a 24 de agosto de 2018, acontecerá o XX Encontro Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (ENCOB) na cidade de Florianópolis(SC), que tem como tema “O Futuro da Água, Desafios dos Comitês na Terceira Década da Política Nacional de Recursos Hídricos”. Aproveitando o próximo encontro este artigo se propõe a fazer um resumo da história da construção do Fórum Nacional de Comitês de Bacias, seus encontros e refletir sobre o futuro da gestão democrática, descentralizada e participativa dos recursos hídricos. A organização dos Encontros Nacionais de Comitês de Bacias inicia-se com a realização do 1º Encontro Regional, reunindo na região Sul, na cidade de Porto Alegre (RS), atores da gestão de recursos hídricos da região Sul, do Ceará e do Estado de São Paulo. O segundo Encontro Regional que foi em Ribeirão Preto (SP), foi elevado à condição de I Encontro Nacional de Comitês de Bacias e daí surgem os outros que são demonstrados na tabela 1. ENCOB LOCAL/ANO Número de Comitês no ano TEMA I Ribeirão Preto (SP)/1999 49 “Política de Recursos Hídricos: a integração nacional através dos Comitês de Bacias Hidrográficas” II Fortaleza (CE)/2000 56 “Fórum Nacional como articulador entre os entes do SINGREH” III Belo Horizonte(MG)/2001 (**Carta de Princípios do Fórum) 67 “Democratizando a gestão das águas” IV Florianópolis (SC)/2002 82 “A Gestão das Águas” V Aracaju (SE)/2003 92 “As relações Institucionais dos Sistemas de Recursos Hídricos”. VI Gramado (RS)/2004 103 “Vivencia de Comitê – A dominialidade das águas e as relações entre os sistemas de gestão de recursos hídricos e a implementação de suas ferramentas”. VII Ilhéus (BA)/2005 115 “Natureza jurídica e o papel político dos Comitês de Bacias Hidrográficas” VIII Vila Velha (ES)/2006 137 “Plano Nacional de Recursos Hídricos e a Gestão Participativa” IX Foz do Iguaçu (PR)/2007 144 “”10 Anos da Lei Nacional de Recursos Hídricos” X Rio de Janeiro (RJ)/2008 159 “O Fortalecimento da Gestão Participativa das Águas – 10 anos de Articulação dos Comitês de Bacia no Brasil” XI Uberlândia (MG)2009 161 “Compartilhando as Águas: Compromissos e Responsabilidades” XII Fortaleza (CE)/2010 164 “A importância da Comunicação e Mobilização” XIII São Luís (MA)/2011 “Os desafios dos Comitês de Bacias na construção de pactos pelas Águas” XIV Cuiabá (MT)/2012 172 “Comitês de Bacias: Trabalhando soluções para a Sustentabilidade da Gestão das Águas” XV Porto Alegre (RS)/2013 176 “Comitê de Bacia: Ponte para a Cooperação pelas Águas” XVI Maceió (AL)/2014 199 “O Comitê de Bacia Hidrográfica como Articulador Político das Águas” XVII Caldas Novas (GO)/ 2015 206 “Comitê de Bacia: Solução para a Gestão das Águas” XVIII Salvador (BA)/2016 223 “A Gestão acontece aqui” XIX Aracaju (SE)/2017 “Os Comitês de Bacia no Fortalecimento do Sistema Nacional de Recursos Hídricos” XX Florianópolis (SC)/2018 232 (à confirmar) “O Futuro da Água Desafios dos Comitês na Terceira Década da Política Nacional de Recursos Hídricos” Tabela 1: Histórico dos Encontros Nacionais de Comitês de Bacias. Elaboração própria. Passeando pelos temas dos Encobs, resumidos em algumas palavras chaves; como: fortalecimento; articulação e integração; democratização; compartilhar as águas; sustentabilidade, responsabilidade, pactos, Comitês: ponte para a cooperação e solução para a gestão das águas, percebe-se a importância da Governança. A Governança está para o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH), assim como os Comitês: os dois são a base deste Sistema. Porém, a governança ganha relevância ainda maior pois ela prepara a gestão. Portanto, após 21 anos de construção da gestão descentralizada e participativa, destaco alguns pontos importantes para discussão do futuro da água e da gestão descentralizada e participativa. Neste momento, os atores do SINGREH devem ficar atentos aos seguintes pontos: 1 – Buscar as soluções de gestão na natureza – a natureza pode nos ensinar muito, mesmo em regiões metropolitanas; 2 – Investir fortemente para acabar com as perdas de água e em políticas de reuso de água e no saneamento ambiental; 3 – Refletir e implementar a gestão das águas no semiárido a partir das experiências bem sucedidas; 4 – Implementar a gestão das águas mesmo em regiões consideradas abundantes em água, como as Regiões Norte e Centro Oeste, pois nelas também acontecem enchentes ou secas e abrigam algumas bacias transfronteiriças; 5- Afirmação da Democracia no país e do processo de gestão das águas descentralizada e participativa. As instituições precisam continuar a funcionar e avançar ainda mais neste processo democrático; 6 – Um Sistema com 232 comitês de bacias (número à confirmar), órgãos gestores e outras instâncias precisa da permanência da crítica e autocrítica no seu interior. O espaço da crítica é fundamental para o crescimento do Sistema. 7- Ampliar a inclusão de setores mais pobres na discussão de recursos hídricos, pois serão eles os mais afetados pelas mudanças climáticas. Se nosso modelo de comitês, ainda não absorve de forma contundente todas as vozes, é preciso buscar mecanismos que possam garantir isso, e; 8 – Um Sistema robusto como da gestão de recursos hídricos precisa institucionalizar um Sistema de Monitoramento e Avaliação seja da governança, seja dos resultados diretos e indiretos da gestão, onde anualmente seja feita uma avaliação e disponibilizada para que toda a sociedade brasileira possa acompanhar e saber como está evoluindo a gestão das águas no país. Com o advento das mudanças climáticas, teremos cada vez mais conflitos relacionados à água e a responsabilidade é de todos os setores, mas diria que é em especial da sociedade civil de inserir os conflitos nas discussões dos comitês. Não são poucos os desafios para o futuro da água, porém, a Lei 9433 e as leis estaduais das águas abrem possibilidade para que os Comitês conquistem credibilidade e exerçam a função de realizar a gestão das águas na Bacia. Mesmo que esteja escrito que o Comitê tem poder deliberativo, este processo é uma conquista, o Estado não entregará este poder facilmente aos comitês, é preciso conquistar este poder. Se não fizermos isto, corre-se
Fortalecimento do Colegiado Coletivo nas Bacias Hidrográficas
Artigo de Elias Adriano dos Santos* A Constituição de 1988 trouxe disposições importantes e inaugurais sobre os recursos hídricos e ainda se encontra em vigor, especialmente nos termos da nova relação entre a sociedade civil e as autoridades públicas após o retorno do país a democracia. A Lei 9433/1997 estabelece o arcabouço jurídico e institucional para a gestão dos recursos hídricos no Brasil, estabelece as diretrizes e os princípios básicos, de um recurso limitado e um bem público com valor econômico, a ser gerido de forma descentralizada e participativa, envolvendo todos os atores sociais, dentro de um território, sendo este a “Bacia Hidrográfica como Unidade de Planejamento”. A ideia de criar comitês de bacias hidrográficas, nas esferas federais, estaduais em sequência os conselhos estaduais de recursos hídricos, agência de água como órgão técnico e regulador e agências de bacias como o braço executivo, onde já existe a cobrança pelo uso da agua. Os comitês de bacias hidrográficas são plataformas consultivas e deliberativas para a gestão dos recursos hídricos na respectiva escala hidrográfica. Esta ferramenta de gestão deve ser usada de uma maneira que não entre em conflito com os atores sociais, sempre fortalecer a parceria com os órgãos gestores estaduais. De acordo com a Lei 9433 de 1997 (Artigo 38), os comitês devem promover debates sobre temas pertinentes; arbitrar disputas em primeira instância administrativa; aprovar os planos de bacia hidrográfica; acompanhar a implementação dos planos e propor medidas para cumprir as metas estabelecidas; propor ao conselhos nacional, e estaduais a isenção de outorga para usos insignificantes; estabelecer mecanismos para a cobrança e propor os montantes a serem coletados; estabelecer critérios e promover a partilha dos custos das estruturas para usos múltiplos e de interesse comum. A participação dos usuários e da sociedade civil é essencial e não devem entrar em conflito com as atribuições e competências dos atores sociais da bacia hidrográfica. A governança da água, no entanto, pode servir de exemplo da articulação construtiva “democracia direta” com a “democracia representativa”, esse certamente é um indicador do empoderamento e da maturidade política e social. A representatividade e a continuidade, dentro dos comitês de bacias hidrográficas, são um desafio, devido aos impactos dos ciclos políticos sobre os membros do setor público (mudanças frequentes e baixa memória institucional dos recém-chegados). Nesse sentido, os representantes dos usuários e da sociedade civil trazem alguma estabilidade e continuidade para essas estruturas, o que é positivo. Por um lado, os comitês de bacias hidrográficas tornam-se dependentes da autoridade estadual, quando as secretarias executivas estão ligados a órgão gestores, muitas vezes são utilizados como comitês eleitorais e não como um parlamento das aguas. O nível de participação dos municípios nos colegiados coletivos, tanto interno (Conselhos Municipais) como externo (Conselho Estadual, Comitês de Bacias) é considerado baixo, dependendo das condições locais, da importância dada aos problemas hídricos, da motivação dos prefeitos e colaboradores e dos interesses específicos em jogo. Isto, por vezes, justifica a ausência de recursos humanos e financeiros para participar efetivamente e só aparecendo quando há votação de projetos, em que as prefeituras estão envolvidas. Poucos municípios no Brasil, tem leis municipais de recursos hídricos, sendo um diploma legal para o controle local da expansão urbana, parcelamento do solo comprometendo as áreas de recargas, principalmente na zona rural e não são estimulados a criá-los. Portanto, o desafio, reside no fato de que os comitês de bacias hidrográficas não sejam mais vistos principalmente como balcão de negócios e sim como órgãos deliberativos, consultivos para discutir políticas e construir o consenso dos usos múltiplos da agua. Referências bibliográficas: BRASIL. LEI Nº 9.433, DE 08 DE JANEIRO DE 1997. Política Nacional de Recursos Hídricos. Brasília: DF, 1997. O Comitê de Bacia Hidrográfica: o que é e o que faz? – Agencia Nacional de Águas – Brasilia:SAG,2011. THAME, Antônio Carlos de Mendes.1.Bacias hidrográficas-Administração-Brasil 2.Recursos hídricos-Desenvolvimento-Administração. Comitê de bacias hidrográficas: uma revolução conceitualAntônio Carlos de Mendes Thame, organizador-São Paulo: IQUAL Editora,2002. OCDE(2017), Cobrança pelo uso de recurso Hídricos no Brasil: Caminhos a seguir, Editions OCDE, Paris. http://dx.doi.org/10.1787/9789264288423-pt Elias Adriano dos Santos– Formado em Educação Física, Pedagogo, Pós-graduado: Metodologia do Ensino Superior, Pós-graduado em Educação Ambiental, Pós-graduado: Educação, Patrimônio e Cidadania, Presidente da Associação Jaguamimbaba, Presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, e Conselheiro do Conselho Consultivo da APA da Serra da Mantiqueira, Participa do CBH-PS, do CEIVAP, da Câmara Técnica de Educação Ambiental do CRH-SP, do GT-Mantiqueira da Secretaria do Meio Ambiente de SP.
Diálogos sobre o SINGREH: avanços ou recuos da atual legislação de recursos hídricos
Artigo de Cláudio Antonio Di Mauro* Há que se reconhecer a importância da Lei 9433/97 e seus efeitos nos processos de implantação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos -SINGREH. Mesmo assim verifica-se que o Sistema se apresenta com muitas deficiências. As relações das estruturas de poder com a Política Nacional de Recursos Hídricos mostram enormes fragilidades. É muito difícil aos governantes entenderem que ao delegarem poderes, descentralizarem de maneira integrada, participativa e democrática não lhes significa enfraquecimento. Ao contrário, distribuir competências e responsabilidades levará ao reconhecimento político e social de tais governantes. Por isso há necessidade de serem desenvolvidas atividades específicas, abordando as temáticas desse naipe, com objetivo de construir a verdadeira governança das águas brasileiras. Com essa motivação foi realizado na Universidade Federal de Uberlândia o evento: DIALOGOS SOBRE O SINGREH: Avanços ou Recuos com a Atual Legislação. Esse evento resultou em um E-book com o mesmo nome em que se explicita que apesar de ajustes possíveis e até necessários, a Legislação de Recursos Hídricos ainda não está efetivamente aplicada. As estruturas de governos e usuários não acreditam sinceramente nos fundamentos e objetivos para os quais a Lei foi aprovada. É verdade que o sistema político-econômica adotado no Brasil não facilita o desenvolvimento da cidadania. Mas, especialmente aos usuários cabe o esforço para reduzir as potenciais condições de instalação de conflitos. E cabe aos CBHs se credenciarem para serem protagonistas nesses embates. Pensando dessa forma, alguns pontos destacados, entre tantos outros: A importância de fortalecer a participação das mulheres como protagonistas na aplicação da legislação; 2) A necessidade de criar as condições substantivas para que se construa a governança da água com efetiva participação de todos os setores das comunidades, aqui lembrando os quilombolas, os ribeirinhos, os assentamentos rurais entre tantos outros; 3) – A necessidade de fortalecer e capacitar os participantes dos CBHs que ainda não estão atuando com a determinação e com a qualidade oferecida pela legislação; 4) – A necessidade de fortalecer os órgãos do Sistema Federal e Estadual que não estão efetivamente cumprindo suas responsabilidades, tendo em vista o enfraquecimento a que estão confinados; 5) – A inclusão da Educação Ambiental como instrumento de capacitação para a atuação da sociedade civil e demais componentes do SINGREH, bem como a Fiscalização reconhecida como Instrumento de gestão; 6) – A conquista dos espaços nos quais os entes estaduais, especialmente os governantes compreendam a importância das águas como fator de qualidade de vida para o estabelecimento de políticas de desenvolvimento com sustentabilidade ambiental nela incluídas as sustentabilidades social, cultural e econômica; 7) – A necessidade que os diversos órgãos e instâncias de governos dialoguem, se integrem na atuação e valorização da importância da água para a qualidade de vida e políticas de desenvolvimento sustentável; 8) que os conselheiros dos CBHs sejam capacitados para não cometerem erros em suas participações ou omissões e por fim sofram consequências tais como destacadas em um capítulo do E-book no qual o Promotor Público Carlos Alberto Valera e outras afirmam: “é evidente que os conselheiros dos comitês de bacias hidrográficas possuem poderes e interferem diretamente ou indiretamente na gestão dos recursos hídricos, logo, também podem ser responsabilizados em razão das respectivas atuações.” . Almejamos que este artigo estimule muitos debates contribuindo com a dialética do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos barrando a possibilidade da água e recursos hídricos serem entendidos como objeto do mercado. *Cláudio Di Mauro – Mestre e doutor em Geografia, docente na Universidade Federal de Uberlândia, em programa de pós graduação da UNESP – Campus Presidente Prudente e ProfÁgua. Foi Prefeito de Rio Claro (SP) e Presidente dos Comitês Paulista e Federal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. E-mail: claudiodimauro@ufu.br
Realidade e desafios dos Comitês na gestão futura da água
Artigo da Secretaria Executiva do Consórcio PCJ* Estamos nos aproximando do XX Encontro Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (ENCOB). Florianópolis (SC) foi a cidade escolhida para sediar esta edição, que será realizada entre os dias 20 e 24 de agosto de 2018. O evento comemora a terceira década da Política Nacional de Recursos Hídricos, promulgada em 08 de janeiro de 1997. Mas o que temos a comemorar? Quais são os desafios a enfrentar? Com a criação da PNRH surgiram os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs), responsáveis por promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia, sugerindo providências necessárias ao cumprimento de suas metas; estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados; dentre outras atribuições previstas na Lei nº 9.433/97. Desde a criação dos comitês de bacias, várias conquistas foram alcançadas, por meio da implementação dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos. Até o final de 2016 foram elaborados 164 planos de bacias estaduais (ANA, 2017), que contemplam estudos técnicos para diagnóstico da bacia, regras para o uso da água, prioridades para investimentos, e que podem, inclusive, conter propostas para o reenquadramento dos corpos d’água, como é o caso do Plano das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Bacias PCJ). Nas Bacias PCJ, cuja população total ultrapassa 5,5 milhões de habitantes, a execução do plano permitiu diversos avanços para a região. Para exemplificar, o tratamento de esgotos na bacia como um todo saltou de 3% para 76%, e o índice de perdas na distribuição, que inicialmente era superior a 50%, hoje é de 34%. Os mais de 320 milhões de reais obtidos com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos desde 2006 propiciaram o investimento em diversos projetos, não somente estruturais, mas também de recuperação das nascentes e de educação ambiental. Tais investimentos propiciaram o reenquadramento de trechos do Rio Jundiaí, de classe 4 para classe 3, permitindo assim a utilização de suas águas para o abastecimento público. Embora seja importante festejar as conquistas, não podemos esquecer que o sistema de gerenciamento dos recursos hídricos precisará enfrentar inúmeros desafios nos próximos anos. Apesar de existirem 232 comitês, considerando os estaduais (223) e os interestaduais (9), apenas 49% da população brasileira vive em áreas sob atuação de algum CBH (ANA, 2017). Além de não abranger toda a população brasileira, um dos problemas enfrentados atualmente pelos órgãos colegiados é a baixa participação dos usuários, principalmente de organizações da sociedade civil, que não acreditam no poder articulador dos comitês. Outra preocupação é a ocorrência cada vez maior dos eventos climáticos extremos, que podem estar relacionados ao aumento da temperatura global. Pesquisas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU apontam uma relação entre o aumento da temperatura da superfície do mar e uma maior ocorrência de tempestades e furacões. Outros estudos também demonstram uma possível relação entre o aumento da temperatura e a distribuição das precipitações pelo planeta. Nas Bacias PCJ, por exemplo, são observados em média 1.500 mm de chuvas no ano, mas até o mês de julho de 2018 o acumulado não passou de 544 mm. Esse fenômeno climático de escassez de precipitações tem sido acompanhado pelos técnicos do Consórcio PCJ desde o ano passado, quando a média anual já ficou abaixo do esperado, em torno de 1.306 mm, o que levou a entidade emitir um alerta em janeiro sobre a possibilidade de atravessarmos uma estiagem mais severa nesse ano. De acordo com o último Relatório da Situação das Bacias PCJ (Agência PCJ, 2017), a disponibilidade de água superficial já é bastante limitada (990,92 m3/hab./ano). Como agravante, existe ainda uma tendência de contínua diminuição da quantidade de água disponível por habitante, que já é considerada insatisfatória em face dos valores de referência adotados para os Relatórios de Situação no Estado de São Paulo. Nesse contexto, a revisão do Plano das Bacias PCJ, que já está em andamento, prevê a elaboração de um caderno temático especialmente dedicado à garantia de suprimento hídrico, que deverá considerar a ocorrência dos eventos climáticos extremos. Espera-se, portanto, que sejam colocados em discussão recomendações, ações e investimentos a serem realizados para melhorar a segurança hídrica da região. Acreditamos que o conhecimento adquirido pelas Bacias PCJ com a atual revisão do plano deverá ser amplamente divulgado aos demais comitês existentes, principalmente durante as atividades previstas no ENCOB. Esperamos, assim, trocar experiências e contribuir com o aumento da resiliência dos CBHs aos eventos extremos, que devem estar preparados para enfrentar os novos desafios da terceira década da PNRH. Referências bibliográficas: AGÊNCIA PCJ. Relatório da Situação dos Recursos Hídricos 2017: UGRHI 05 Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Versão simplificada, ano base 2016. Piracicaba: Agência PCJ, 2017. 79 p. ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (BRASIL). Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2017: relatório pleno. Brasília: ANA, 2017. 169p. BRASIL. LEI Nº 9.433, DE 08 DE JANEIRO DE 1997. Política Nacional de Recursos Hídricos. Brasília: DF, 1997. *Secretaria Executiva do Consórcio PCJ – O Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, composta por municípios e empresas, que tem como objetivo a recuperação dos mananciais de sua área de abrangência. O Consórcio PCJ tem como objetivo a gestão e recuperação dos recursos hídricos, através da integração regional, tendo como base de seu trabalho a sensibilização ambiental em todos os setores da sociedade sobre a problemática dos recursos hídricos da região.Essas ações estão divididas em 10 programas de atuação que tem como foco o planejamento, fomento e sensibilização. A entidade tem como Missão promover ações para preservar e recuperar os recursos hídricos das Bacias PCJ e sua Visão é tornar-se uma entidade modelo em gestão dos recursos hídricos por bacia hidrográfica. Fonte: http://agua.org.br/ – agua@agua.org.br