Implementação do novo marco legal do saneamento é uma oportunidade de garantir o devido cuidado com nossas bacias hidrográficas Em março, o Congresso Nacional concluiu o ciclo de debate político ao apreciar os vetos presidenciais ao novo marco legal do saneamento, determinado a partir da Lei Federal No. 14.026/20. Inicia-se agora a implementação destas regras, tendo como horizonte a urgente e inadiável universalização do acesso aos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário, bem como uma melhor gestão, proteção e recuperação de nossas águas. Entre a aplicação da lei e seus desdobramentos práticos, com impactos positivos na vida das pessoas, há um espaço a ser ocupado e um conjunto de preocupações a serem consideradas. Uma delas é a necessária integração entre as políticas públicas de recursos hídricos com o setor de saneamento básico. Este último representa um setor de extrema importância no uso e no cuidado com a água, ocupando a posição de segundo maior utilizador de água no Brasil, significando 23% do total dos usos consuntivos segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. O Observatório da Governança das Águas (OGA), enquanto articulação nacional voltada ao acompanhamento da implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) – Lei Federal No. 9.433/97 e demais políticas setoriais que impactam as águas, vislumbra um conjunto de oportunidades, com potencial de desdobramentos positivos para a gestão dos recursos hídricos, a partir da implementação do novo marco legal do saneamento. A primeira se apresenta a partir dos processos de regionalização e planejamento dos serviços de saneamento básico. Um dos eixos que estruturou todo o debate da nova legislação partiu do princípio de que para haver interesse por parte dos prestadores e viabilizar ganhos de escala seria necessário agrupar municípios, segundo as condições de cada território. Dentro do prazo de um ano, portanto, até junho deste ano de 2021, os governos estaduais devem liderar, junto com os municípios, os processos de criação destes blocos regionais. Mas quais serão os critérios e metodologias que cada estado utilizará para acomodar as regras atuais? As bacias hidrográficas representam as unidades territoriais de planejamento da política de recursos hídricos e precisam ser consideradas na organização do setor de saneamento básico inclusive para definição dos blocos de regionalização. Caso contrário, uma ausência de integração seguramente gerará impactos negativos para o cuidado com as águas. O tempo urge e um olhar atento a esses processos deve ser lançado. Caso os Estados não cumpram esse prazo, a União poderá assumir sua competência subsidiária e intervir na criação das regiões de saneamento básico (art. 52, § 3º, Lei 11.445; art. 15, Lei 14.026). É necessário destacar igualmente que a própria Lei Federal No. 14.026/20 indica que os planos de saneamento básico, inclusive estes novos planos de recorte regional, devem “(…) ser compatíveis com os planos das bacias hidrográficas e com planos diretores dos Municípios em que estiverem inseridos, ou com os planos de desenvolvimento urbano integrado das unidades regionais por eles abrangidas” (art. 19, § 3º, Lei 11.445). É preciso fazer valer na prática essa determinação legal! A terceira oportunidade, de aliar o cuidado com os recursos hídricos à implementação do novo ordenamento jurídico para o saneamento, está nos processos de modelagens de privatizações de algumas empresas públicas de saneamento, liderado pelo BNDES, e as concorrências nos processos de concessões de serviços em determinadas localidades. Essa foi mais uma novidade criada pela Lei Federal No. 14.026/20: não é possível firmar contratos de prestação de serviços sem haver um processo de concorrência[1]. Os titulares do serviço ao convocarem estes processos licitatórios têm agora a oportunidade de inserir entre os critérios o cuidado com as águas. O titular, que deve zelar pelo interesse público, pela busca à universalização do acesso ao saneamento e pela gestão sustentável da água, deve estimular os concorrentes a apresentarem o cuidado com os recursos hídricos como variável eliminatória dos processos de concessão dos serviços. Outra novidade, foi criada pelo novo marco legal do saneamento, que outorgou à Agência Nacional de Águas (ANA), que passa a levar Saneamento Básico em seu nome oficial a partir de então, a competência de editar normas nacionais de referência para a regulação (art. 1º, Lei 9.984/00). Simplificando, será algo como uma lista das melhores práticas para a atividade da regulação. O que, se respeitadas as características regionais e locais, será um avanço importante, dado que a regulação exerce um papel fundamental no mundo do saneamento básico, criando as diretrizes e os incentivos adequados para que os prestadores desse serviço de monopólio natural alcancem seus resultados econômicos de forma aliada ao interesse público. A adesão pelas agências reguladoras destas normas a serem editadas pela ANA passa a ser um dos critérios de repasse de recursos financeiros pela União (art. 50, inciso III, Lei 11.445). A ANA está executando essa tarefa a partir de instrumentos de consulta pública, construindo uma agenda de trabalho para os próximos dois anos[2]. Mais uma vez é possível identificar um potencial de sinergia entre saneamento e recursos hídricos. É indispensável incluir na construção dessas normas de referências para a regulação os diferentes aspectos do serviço de saneamento que podem impactar positiva ou negativamente nossas águas. Cabe ainda ressaltar, que o novo Plano Nacional de Recursos Hídricos entrou em processo de construção e será mais uma oportunidade para que um instrumento da gestão de recursos hídricos possa apontar diretrizes com relação ao saneamento, águas subterrâneas, integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental, identificação de conflitos pelo uso da água e especialmente preparar para que a gestão das águas enfrente os desafios das mudanças climáticas e garanta segurança hídrica. É, portanto, a oportunidade e o momento para a ANA promover e efetivar a integração de recursos hídricos com o saneamento. O novo Plano Nacional de Recursos Hídricos será efetivo na medida em que ele consiga articular e ter a participação equilibrada de todos os segmentos – poder público; sociedade civil; setor privado – para que o plano seja um grande pacto nacional colocando a água com um fator
Protocolo de Monitoramento da Governança das Águas
PROTOCOLO DE MONITORAMENTO DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS Água… Quatro letras que carregam o futuro do planeta e da Humanidade. Quatro letras cuja importância já foi demonstrada em centenas de estudos e pesquisas e cantada em verso e prosa. Mas não basta saber que água é vida. Atrair mais pessoas e entidades para a proteção dos rios e das águas está na ordem do dia. Pensando nisso, o Observatório de Governança das Águas (OGA Brasil) elaborou o Protocolo de Monitoramento de Governança das Águas. O objetivo é tornar mais precisas e transparentes as medidas tomadas pelas instituições/organismos participantes dos sistemas nacionais de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil (SINGREH). Em outras palavras, o protocolo serve como uma ferramenta para facilitar o trabalho dos integrantes do SINGREH, no que se refere a suas políticas para as águas e a forma como vêm sendo aplicadas. Ao avaliar suas ações, fica mais simples descobrir o que funciona e o que não funciona e, dessa maneira, fornecer elementos para a elaboração de planos de ação. Copie o Infográfico aqui > Prot Gover Aguas_15 Para início de conversa, é importante compreender o conceito de governança usado pela OGA na elaboração do protocolo. Trata-se de uma função que tanto envolve a gestão administrativa do Estado quanto a capacidade de articular e mobilizar os atores sociais para resolve os dilemas de ação coletiva. Ou seja, governança não é gestão. Governança antecede e prepara a gestão. A primeira é o processo técnico e político que está presente na gestão de recursos hídricos e, por vezes, passa despercebido. A gestão é o executado ou em execução. Uma gestão para a obtenção de resultados depende diretamente de como está a governança. Havendo governança, aumentam as possibilidades para que a gestão alcance seus objetivos. Vem daí a relevância da criação de um protocolo, que também unifique as informações produzidas pelas instituições que integram o SINGREH. Então, em torno do fortalecimento da ideia de governança das águas, o protocolo funciona não apenas para o monitoramento, mas para a aplicação de indicadores, para a construção de uma cultura de avaliação e aprendizado em todos os níveis, para o desenvolvimento de um olhar crítico sobre o tema e para subsidiar planos de ação que surjam da análise dos dados. Como sabemos, a água tem valor estratégico para a sustentabilidade social, econômica e ambiental. Nesse sentido, cuidar de sua governança passa, por exemplo, pelo fortalecimento dos sistemas nacionais de Gerenciamento de Recursos Hídricos e pelo incentivo à participação da sociedade civil e do setor público e privado, nos conselhos estaduais, no Conselho Nacional de Recursos Hídricos e nos comitês de bacias hidrográficas (CBHs). Entre os pilares da gestão dos recursos hídricos, destacam-se a disponibilização e transparência de informações e o acompanhamento do processo de divulgação e de feedback, tanto para os gestores das águas quanto para a população em geral. O protocolo também está ancorado na avaliação da continuidade das medidas adotadas pelos componentes do SINGREH e na viabilidade do modelo de planejamento e ação em médio e longo prazos. Cabe ainda ressaltar a importância de se valorizar o poder de decisão dos colegiados (CBHs & Comissões e Salas de Crise), nas questões estratégicas da gestão das águas. Para dar forma ao protocolo, tornou-se imprescindível conectá-lo às diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos. Nesse sentido, a proposta de monitoramento da governança das águas trabalha com a mesma base estratégica. Ou seja, está fundamentada na gestão sistemática dos recursos hídricos; na adequação dessa gestão às diversidade físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões; na integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; na articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários, com os planejamentos regional, estadual e nacional e com as normas de uso de solo, e na integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras. Mas, afinal de contas, como implementar o protocolo? São cinco passos. O primeiro é a apresentação do Protocolo de Monitoramento da Governança das Águas ao organismo de bacia. O segundo momento é a assinatura do termo de adesão ao protocolo e a formação do grupo de trabalho. A terceira etapa consiste na reunião/oficina de alinhamento do OGA com o grupo de trabalho. A quarta fase acontece quando o grupo de trabalho discute e coleta os dados dos indicadores de governança, enquanto o encerramento se dá com a avaliação e a proposição de planos de ação para melhorar os índices que apresentarem baixa performance. O protocolo trabalha com indicadores distribuídos em cinco dimensões. A primeira é a Legal/Institucional e agrupa as informações referentes aos aspectos legais, às definições institucionais quanto às funções sistêmicas e às relações entre essas instituições, além das observações da importância do tema água nas agendas políticas. A segunda, Capacidades Estatais, trata da observação da capacidade operacional dos órgãos envolvidos na gestão, da qualidade de suas equipes e da burocracia, e da garantia do financiamento. A terceira, denominada Instrumentos de Gestão, reúne os indicadores de controle dos instrumentos de gerenciamento, os relacionados ao planejamento, à avaliação, ao funcionamento de sistemas de informação e outros fatores relativos ao desenvolvimento de práticas inovadoras. A quarta, Relações Estado-Sociedade, congrega os indicadores referentes à interação entre o Estado e a sociedade, avaliando itens como canais de participação, transparência, arbitragem justa de conflitos e proteção aos grupos mais vulneráveis. A quinta é Relações Intergovernamentais. Aqui, o protocolo trabalha no intuito de checar se há uma lógica sistêmica no interior dos governos e se há fóruns federativos, com a presença das esferas federal, estadual e municipal. A autonomia dos entes e os mecanismos indutores de cooperação, coordenação, flexibilidade e inovação também são verificados neste grupo. Monitorar e fortalecer a governança dos recursos hídricos significa garantir uma gestão participativa, descentralizada e integrada da água, visando a ampliação da segurança hídrica no Brasil. Neste link — https://observatoriodasaguas.org/monitoramento-da-governanca/ — está disponível todo o material referente ao monitoramento da governança das águas: o Protocolo de Monitoramento da Governança das Águas, a ferramenta
Deficiências no saneamento e a Covid-19: estudo de caso sobre falta de água, vulnerabilidade social e óbitos, no município de São Paulo*
Resumo O novo coronavírus – SARS-COV-2 – que desencadeou a pandemia viral, no ano de 2020, relaciona-se diretamente com a demanda por saneamento, em especial nos grandes centros urbanos como São Paulo. O presente artigo tem como objetivo discutir a vulnerabilidade social e de acesso a serviços de abastecimento, relacionando-os às mortes por COVID-19, entre março e maio de 2020. Com base em estudo sobre comunidades socialmente vulneráveis, no estado de São Paulo, o grupo Coalizão pelo Clima disponibilizou questionário online para obter informações sobre a frequência de falta de água, por localização via Código de Endereço Postal (CEP). As perguntas foram respondidas online, voluntariamente e de forma anônima por 556 indivíduos, sendo 475 deles residentes no município de São Paulo. A partir dos dados primários, foi possível avaliar os fatores: vulnerabilidade social, abastecimento de água e mortes por COVID-19, em distritos paulistanos. Este artigo baseou-se na criação de um mapa digital que sobrepõe CEP, dados de falta d’água, presença de favelas, classificação do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social e número de mortes por COVID-19, no período estudado. A intermitência no abastecimento de água pela rede pública é um problema que afeta a população das comunidades mais vulneráveis e distancia cada vez mais a possibilidade de alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS 2015-2030), especialmente o ODS 3, referente à vida saudável e bem estar e o ODS 6, referente ao saneamento, levando ao agravamento das consequências da pandemia nas áreas socialmente vulneráveis do município de São Paulo. Palavras-chave: Abastecimento de Água. Vulnerabilidade Social. COVID-19. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Abstract The new coronavirus – SARS-COV-2 – which trigged a viral pandemic in 2020 is directly related to the demand for sanitation, especially in large urban centers like São Paulo. This article aims to discuss social vulnerability and access to public services of water supply, relating them to deaths by COVID-19, between March and May 2020. Based on a study on socially vulnerable communities in the state of São Paulo, the group Coalition for Climate made an online questionnaire to obtain information on the frequency of water shortages, by location via the Postal Address Code (ZIP code). The questions were answered online, voluntarily, and anonymously by 556 individuals, 475 of whom lived in the city of São Paulo. It was possible to observe the following factors: social vulnerability, access to public service of water supply and deaths by COVID-19, in São Paulo city districts. This article started with the creation of a digital map that overlays ZIP code, information on lack of access to water supply, presence of slums, classification of the São Paulo Social Vulnerability Index and number of deaths by COVID-19, in the period studied. The intermittency on water supply through the public network is a problem that affects the population of the most vulnerable communities and increasingly distances the possibility of reaching the Sustainable Development Goals (SDG 2015-2030), especially SDG 3, referring to health living and well being and SDG 6, referring to sanitation, leading to the worsening of the consequences of the pandemic in the socially vulnerable areas of the municipality of São Paulo. Keywords: Water Supply. Social Vulnerability. Coronavirus Infections. Sustainable Development Goals. Agradecimentos Agradecemos à disponibilização dos dados obtidos nas respostas aos questionários, fornecidos pela equipe do grupo ativista Coalização pelo Clima, da qual faz parte a autora Denise Vazquez Manfio. Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Instituto de Energia e Ambiente da USP pela bolsa de Pós-doutoramento (2019-2021) fornecida para a coautora Estela Macedo Alves. Introdução O novo Coronavírus, chamado Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-COV-2) foi identificado no final do ano de 2019, e mais amplamente divulgado após causar um surto de enfermidade viral em Wuhan, China, que ficou conhecida como COVID-19. De acordo com dados compilados e mapeados pelo Center for System Science and Engeneering (CSSE) da John Hopkins University (JHU), até o dia 08 de junho de 2020, o vírus havia se espalhado para 188 países, havia 7.062.464 casos confirmados e 403.921 mortes confirmadas, no mundo (Johns Hopkins University, 2020). No Brasil, os dados indicados pela instituição na mesma data foram de: 691.758 casos confirmados e 36.455 mortes, representando o terceiro país com maior número de mortes entre os 188 atingidos pela pandemia, atrás apenas dos Estados Unidos e Reino Unido, respectivamente (Johns Hopkins University, 2020). O novo Coronavírus pertence a um grupo de microrganismos entre os quais são conhecidos o Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus (SARS-COV) e o Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus (MERS-COV), ambos causadores de sintomas respiratórios e intestinais. O SARS-COV-2 (causador da COVID-19) tem material genético 82% similar ao SARS-COV, fator que possibilita comparações entre a forma de permanência no ambiente e contágio dos dois vírus (Charleen Y., Sanghvi, K. e Danson Y, 2020). Durante o surto de SARS-COV, entre 2002 e 2003, até 73% dos pacientes tiveram diarreia enquanto estavam doentes, mas seu DNA só foi detectado nas fezes a partir do 5º dia da doença. Testes indicaram pico de vírus no 11º dia de sintomas e a continuidade da presença nas fezes de uma pequena parcela dos pacientes até o 30º. dia de doença (Charleen Y., Sanghvi, K. e Danson Y, 2020). Durante o surto do ano de 2002, o DNA do SARS-CoV foi encontrado na água de esgoto de dois hospitais em Beijing e a cultura desta água em laboratório mostrou que o vírus continuou ativo por 14 dias em temperatura de 4ºC e por 2 dias em temperatura de 20ºC. Esses são dados que suportam a ideia de que as transmissões do SARS-COV e do MERS-COV são viáveis pelo meio ambiente, através da transmissão oral-fecal (Charleen Y., Sanghvi, K. e Danson Y, 2020), além do meio de transmissão por gotículas contaminadas do trato respiratório humano. A presença prolongada do SARS-COV e do MERS-COV no ambiente sob diversas condições sugerem os potenciais de contaminação dessas viroses por via fecal-oral, que pode ocorrer através de contaminação pela água de esgoto, especialmente em áreas com deficiência nos
O setor de saneamento e a COVID-19*
As empresas de saneamento têm uma grande responsabilidade na ajuda do controle da pandemia desencadeada pelo vírus SARS-CoV-2. Instruções a respeito da higiene das mãos com água e sabão é uma das principais ações no comate à disseminação do vírus e é através das empresas de saneamento que a água chega nas residências de milhares de brasileiros. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, o mais alto nível de alerta quanto ao surto da COVID-19, reconhecendo assim a emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. Em 11 de março de 2020, devido à rápida proliferação da infecção, foi decretada estado de pandemia. O objetivo deste estudo é identificar quais as primeiras ações que as empresas de saneamento estão tomando com relação à COVID-19 na vida das pessoas (comunidade atendida), tendo em vista que uma interrupção dos serviços prestados pode afetar diretamente as orientações da OMS com relação à higiene, tais como lavar as mãos constantemente e manter os locais limpos. Este é um período de grande incerteza, e para as empresas de saneamento não é diferente, tendo em vista a atividade deste setor estar totalmente relacionada com a qualidade de vida e a saúde pública, é necessário conhecer o que essas empresas podem fazer e o que estão fazendo para auxiliar no controle da disseminação da COVID-19. No Brasil, o impacto desta pandemia já está sendo sentido por milhões de brasileiros, que viram sua rotina diária afetada pelas mais diversas variáveis, desde perda de emprego, distanciamento social, suspensão das atividades empresariais, de educação e até perda de entes queridos em decorrência da doença. Dados oficiais do governo, atualizados até 11 de junho de 2020, constantes no site Painel CORONAVÍRUS, mostra que o Brasil atingiu 40.919 óbitos e 802.828 casos confirmados de infecções pelo vírus, sendo que, até o momento, esses números continuam em constante crescimento. Em nota, o Instituto Trata Brasil apresenta que o Brasil tem 35 milhões de pessoas sem acesso à água potável e que 100 milhões de pessoas vivem em localidades sem acesso à coleta dos esgotos. O saneamento básico é vital para uma boa saúde e para a manutenção do meio ambiente e, sua falta pode comprometer a saúde de boa parte da população, principalmente as de baixa renda. Essas pessoas que não possuem o recurso básico para a higienização correta recomendada pelas autoridades de saúde são também mais vulneráveis em relação a outras doenças, tais como diarreia, leptospirose, dengue, malária, esquistossomose, entre outras, que também comprometem o sistema imunológico. Dados da Datasus do Ministério da Saúde mostra que o Brasil teve, em 2018, o total de 233 mil internações de doenças relacionadas com veiculação hídrica. No último levantamento realizados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 24º Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos de dezembro de 2019, referente ao ano de 2018, que consolida as informações referente aos serviços de água e esgoto dos municípios brasileiros, aponta que, na média, o Brasil possui 83,6% da população com atendimento total com rede de abastecimento de água e que apenas 46,3% dos esgotos gerados são tratados. Em matéria publicada em 02 de junho de 2020, o jornal Valor Economico apresentou a relação entre as mortes pela COVID-19 e o esgoto tratado. A matéria tem como base um estudo que está em andamento da Secretaria de Política Econômica (SPE), que faz parte do Ministério da Economia, com informações do Instituto Trata Brasil e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo aponta que, nas cidades onde há menos de 40% de tratamento de esgoto, o índice de mortes por 100 mil habitantes é em média de 14,45%; para as cidades que possuem de 40% a 70% de tratamento de esgoto, este índice baixa para 12,75% e, para as cidade com mais de 70% de tratamento de esgoto, o índice cai para 3,62. Isso mostra como o tratamento de esgoto também é essencial na saúde da população e pode ajudar no controle do vírus no Brasil o que confirma a importância da universalização do saneamento no país. Em nota sobre a situação de pandemia, “Água e Coronavírus” do Observatório da Governança das Águas (OGA), a falta de acesso ao saneamento que temos no Brasil causa uma vulnerabilidade maior a novas doenças, como as derivadas do vírus COVID-19. Nesta mesma nota são apresentadas três diretrizes que colaboram com o controle da pandemia no setor de água: (i) proibir temporariamente a interrupção do fornecimento de água, mesmo em situações de inadimplência; (ii) garantir a gratuidade da cobrança do serviço para os usuários já na tarifa social; (iii) fornecer alternativas rápidas para levar água limpa às populações que ainda não têm acesso. Para identificar quais as primeiras ações das empresas de sanemaneto com relação à COVID-19, foram selecionadas dez empresas no setor de água e saneamento do Brasil que constam no ranking de classificação final da Revista anual Valor 1000 – Maiores Empresas, edição publicada em agosto de 2019. A intenção deste estudo é identificar quais as primeiras medidas que essas empresas estão tomando com relação à COVID-19 e quais precauções para a não interrupção de seus serviços prestados para a população e fazer uma breve comparação com as diretrizes da OGA e também com as orientações gerais dos órgãos de saúde. As empresas pesquisadas foram: Sabesp, SAAB, Sanepar, Cedae, Aegea Saneamento, Corsan, Sanasa, Copasa MG, Sanesul e Cesan. As informações foram pesquisadas nos endereços eletrônicos oficiais das empresas, entre os dias 27 e 28 de maio de 2020, sendo informações públicas divulgadas pela própria empresa. Algumas informações foram coletadas das demonstrações financeiras e notas explicativas do ano de 2019 e referente ao primeiro trimestre de 2020. Das dez empresas pesquisadas, todas têm à disposição de seus consumidores serviços de atentimento por telefone ou serviços por aplicativo ou digitais, sendo que três informaram realizaram a suspensão de atendimentos presenciais por determinado período. Os atendimentos digitais ou por telefone colaboram com a orientação dos órgãos de saúde para que as pessoas evitem sair
Água e Coronavírus – Monitoramento das medidas para garantir saneamento em tempos de pandemia*
Água e Coronavírus – Impacto da falta de saneamento na saúde pública em Portugal. A Covid-19 destacou a necessidade urgente de tornar esses serviços acessíveis a todos. Leia mais sobre possíveis soluções.
O novo plano nacional de recursos hídricos 2021 2040 em um contexto de incertezas por Marília Carvalho de Melo
*Marília Carvalho de Melo A Política Nacional de Recursos Hídricos foi instituída em 1997 estabelecendo os instrumentos de gestão como ferramentas para a sua efetivação. Dentre os instrumentos, aquele que se apresenta como alicerce da política pública é o Plano de Recursos Hídricos. O plano é o instrumento de planejamento e pode ter diversas escalas na sua concepção, nacional, estadual ou de bacia hidrográfica. O Plano Nacional deve estabelecer uma visão de futuro para a gestão das águas no Brasil e apresentar o caminho para atingi-la com métricas. É importante entender o contexto dos recursos hídricos para estabelecer as novas bases conceituais do Plano Nacional. O país tem convivido, nos últimos anos, com o aumento significativo de incertezas especialmente com a ocorrência de extremos hidrológicos. Os extremos estão materializados, por exemplo, na Crise Hídrica da região Sudeste em 2014, na seca histórica do Nordeste, nas chuvas intensas que têm gerado perdas humanas e econômicas nas grandes cidades. Temos uma demanda crescente. O agronegócio do Brasil, usuário significativo de água, é a aposta futura para a segurança alimentar mundial e já representa percentual significativo no PIB Nacional. Nas cidades o cenário é de uma população crescente, com a demanda concentrada no território com disponibilidade de água limitada e que contém rios impactados em qualidade pelo atraso de uma política de investimento em esgotamento sanitário. No outro extremo, chuvas intensas colocam a população em risco e geram custos significativos para a reparação das consequências de um modelo de desenvolvimento urbano com uma visão restrita da gestão por bacia e do ciclo hidrológico. Neste contexto a construção do Plano Nacional torna-se ainda mais estratégica, uma vez que estabelecerá a pauta nacional de recursos hídricos a ser desdobrada pelos estados e municípios buscando uma sinergia para o alcance de resultados mensuráveis e percebidos pela sociedade. Assim o plano precisará trazer a luz algumas questões e suas respostas. Como reduzir os riscos associados aos extremos hidrológicos? O que cada setor representa de demanda e pressão sobre os recursos hídricos? Como prover água para o desenvolvimento social e econômico do país? Como vencer a inércia da efetiva integração da dupla dominialidade dos rios, otimizando a aplicação dos instrumentos? Qual o papel dos municípios no alcance dos resultados e como incluí-los? Como estabelecer uma matriz de correlação efetiva com as políticas públicas setoriais que se relacionam com a gestão das águas e estabelecer metas comuns? Qual a governança necessária para a efetivação de um planejamento nacional para as águas? Nessa perspectiva, o caminho para construção do Plano deve avaliar quais as tendências das mudanças no clima no Brasil e o seu impacto nos recursos hídricos e definir estratégias macro para mitigar os efeitos nos usos múltiplos da água, delimitando especialmente áreas críticas e regiões estratégicas para o país. Para os cenários das demandas futuras de usos e como provê-los, o plano deve apontar para políticas e ações de infraestrutura hídrica cinza e soluções baseadas na natureza, articulando o Plano de Segurança Hídrica existente. Outro ponto de destaque é a gestão da demanda, com fomento ao uso de tecnologias de uso racional, inclusive com diretrizes para incentivos especialmente na aplicação dos instrumentos de regulação e econômicos do Sistema de Recursos Hídricos. O reuso deve ser um tema constante no plano como um instrumento auxiliar à gestão de recursos hídricos, por ser uma importante fonte alternativa. Ainda na gestão da demanda e oferta dois desafios estão colocados para o plano: as águas subterrâneas e áreas de restrição de uso. Outro pilar das questões colocadas está na base conceitual da gestão integrada de recursos hídricos no Brasil: a dupla dominialidade, o papel dos municípios e as políticas públicas setoriais. O estabelecimento de uma matriz objetiva dessas correlações entre as competências complementares e fundamentais para os resultados finalísticos da gestão das águas deve ser clara apresentando causas e consequências de um elo não estabelecido. As metas devem focar no território e daí estabelecer os entes responsáveis pela sua execução. O plano nacional, como instrumento norteador para a gestão das águas no país, deve apresentar pragmaticamente essa mensagem. Por fim, o plano deve estabelecer um modelo de governança, que a meu ver deve ter uma abordagem intra e extra governo. Intra-governo para que se possa estabelecer o elo da matriz de correlação das políticas públicas setoriais. Extra-governo tendo os comitês de bacias como o principal ator de articulação social do Sistema de Recursos Hídricos. Está colocado o desafio para o Novo Plano Nacional de Recursos Hídricos. As bases conceituais e respostas às questões apresentadas precisam ser convertidas em ações, metas e indicadores precisos que garantam de fato o resultado que a sociedade espera desse sistema das águas brasileiro. *Marília Carvalho de Melo – Coordenadora do Mestrado Profissional Sustentabilidade em Recursos Hídricos da Universidade Vale do Rio Verde (UninCor)
Nova etapa de revisão do plano nacional de recursos hídricos pnrh 2021 – 2040 por Valéria Borges Vaz
Valéria Borges Vaz[1] É neste ano de 2020 que finda o período da última revisão do Plano Nacional de Recursos Hídricos, documento que tem por objetivo orientar a gestão das águas no país. Nesta revisão 2016-2020 foram listadas dezesseis prioridades (conforme quadro), das quais podemos concluir que temos conquistas ao longo do tempo, mas não são maiores que os desafios que temos pela frente. Esta próxima etapa do planejamento prevê um horizonte até 2040 e teremos mais uma oportunidade, que nos é garantida legalmente, de participar ativamente daquela que deverá ser a nossa próxima agenda comum para uma gestão de recursos hídricos mais eficaz. O cenário atual se apresenta com muitos dilemas que se evidenciam através de fatos que dispensam quaisquer argumentos. Foram rompimento de barragens, incêndios florestais, extremos climáticos, deslizamentos, enxurradas, inundações, secas, guerras pela água e poluição que impactam diretamente os recursos hídricos afetando o dia a dia da população e de diversos usuários que dependem deste recurso para o pleno desenvolvimento de sua atividade. Mesmo estando elencadas prioridades no Plano Nacional de Recursos Hídricos que, se implementadas na sua integralidade, poderiam evitar tragédias como vimos ao longo do período de 2016-2020, pergunta-se: qual o limite entre o planejamento e os fatos?; até onde podemos evitar situações extremas usando o planejamento como instrumento de gestão?; qual o nível de envolvimento dos participantes no planejamento?; como ele é difundido e utilizado para tomada de decisões?; estamos utilizando o plano nacional para planejar os planos estaduais e consequentemente os planos de bacias?; e os planos setoriais, conversam com os planos de recursos hídricos? Estas questões têm por intuito nos inquietar diante do que temos, do que funciona, e principalmente do que precisa mudar para que que tenhamos um instrumento que tenha mais eficácia, para que de fato às águas possam chegar em quantidade e qualidade a todos. São muitas burocracias e empecilhos, temos uma distância temporal quilométrica entre o papel e a ação, precisamos buscar inovações significativas que tragam respostas aos problemas e que ao longo dos anos as prioridades possam ser realmente alcançáveis. É preciso coragem e união para promover transformações. Hoje temos mais acesso a redes e sistemas de informações, documentos e indicadores setoriais que podem sem dúvida qualificar muito mais a nossa participação nesta etapa de revisão do Plano Nacional de Recursos Hídricos, como por exemplo, o Plano Nacional de Segurança Hídrica que foi lançado em 2019, que aponta indicadores de segurança hídrica considerando a dimensão humana, econômica, ecossistêmica e de resiliência. Outro exemplo é o recente alerta divulgado pelo Estadão sobre a guerra pela água no Brasil, que apontam 223 “zonas de tensão” permanente de disputa por água, enquanto este número era de 30 zonas de tensão há dez nos atrás. É preciso um entendimento coletivo da importância com os cuidados para com a natureza, pois dependemos dela para viver, sem ela não há vida, não há desenvolvimento. Os fatos nada mais são do que as respostas que recebemos em relação a maneira que tratamos a natureza. Por isso, o Plano Nacional de Recursos Hídricos representa o nosso pacto em relação a maneira que iremos considerar a água como prioridade. Finalizo parafraseando o economista chileno Carlos Matus “se planejar é sinônimo de conduzir conscientemente, não existirá então alternativa ao planejamento. Ou planejamos ou somos escravos da circunstância. Negar o planejamento é negar a possibilidade de escolher o futuro, é aceitá-lo seja ele qual for.” Referências: https://www.mma.gov.br/informma/item/13900-noticia-acom-2017-01-2114.html http://arquivos.ana.gov.br/pnsh/pnsh.pdf https://www.estadao.com.br/infograficos/politica,sede-escassez-e-morte-por-agua-no-brasil,1063363 [1] Economista (UNISC), Especialista em Gestão de Recursos Hídricos (UFSM), Mestre em Planejamento Urbano e Regional(UFRGS). Coordenadora do Núcleo de Gestão Pública da Universidade de Santa Cruz do Sul. Presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo – Comitê Pardo/RS e Coordenadora Adjunta do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas – FNCBH.
A aprovação do plano de bacia hidrográfica do rio paraopeba no contexto da tragédia da vale
Por *Winston Caetano de Souza O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba aprovou em dezembro de 2019 o seu Plano Diretor da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (PDRH-Paraopeba) e se fortalece institucionalmente com este importante instrumento de gestão. A Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba é estratégica para o desenvolvimento econômico e social de Minas Gerais, sendo assim um bom planejamento para os recursos hídricos nessa bacia é a garantia da sustentabilidade desse desenvolvimento. Isso se justifica pelo fato de que as águas do Rio Paraopeba têm dois usos preponderantes, o primeiro e prioritário é o abastecimento público dos municípios com sede urbana na bacia, ressaltando o fornecimento de aproximadamente 50% de água para o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O segundo é a atividade mineraria, principal fator do desenvolvimento da economia no quadrilátero ferrífero e a produção agropecuária que se destaca nas últimas décadas na região do baixo Paraopeba. Portanto um adequado planejamento desses usos e da bacia é essencial para o Estado e região. Além disso o Plano dá condições no avanço de outros instrumentos, como a cobrança pelo uso da água, instrumento que fomenta a racionalização do uso e gera recursos para a sua implementação. Daí as expectativas para gestão das águas da bacia com a aprovação do PDRH-Paraopeba são as melhores possíveis. Quais são os Programas previstos pelo Plano? O primeiro conjunto de programas destina-se a efetivar a estratégia de preservação dos recursos hídricos, com foco em áreas prioritárias estabelecidas de modo complementar às demais estruturas institucionais existentes. Tem como objetivo recuperar cerca de 640 km² de áreas protegidas degradadas, além de possibilitar o recebimento de investimentos e o monitoramento continuado. A estratégia prevê o desenvolvimento e a aprovação de estudos de apoio à tomada de decisão, sendo a modelagem para previsão de cheias e a caracterização qualitativa para avaliação de impacto. Previu-se ainda recursos para os demais projetos estratégicos que venham a ser identificados no decorrer dos próximos anos. A estratégia para o monitoramento dos recursos hídricos indica a constituição de uma rede de monitoramento continuado das águas superficiais e subterrâneas da bacia, vinculada à coleta, processamento e análise dos dados locais e das demais fontes secundárias em operação. Conforme o diagnóstico, apesar da existência de uma rede de monitoramento superficial, ela se mostra insuficiente quando são consideradas as diversas realidades da bacia em seus principais trechos no alto, no médio e baixo Paraopeba, os quais guardam características locais específicas. A coleta de dados em áreas de menor dimensão propicia a melhor compreensão das ocorrências locais e uma análise sistêmica mais detalhada, segundo dados fluviométricos e pluviométricos; quantitativos e qualitativos. A comunicação social e a educação ambiental configuram um programa destinado à conscientização e a difusão de informações sobre as questões cotidianas, técnicas e legais vinculadas ao uso, manutenção e preservação dos recursos hídricos. Como destacado no relatório, “a preservação, racionalização e uso mais sustentável dos recursos hídricos passa, necessariamente, pela divulgação de ações e boas práticas, além da sensibilização de diferentes parcelas da sociedade em relação à importância da preservação”. Os instrumentos de gestão são definidos pela Política Estadual de Recursos Hídricos do Estado de Minas Gerais, sendo que dois deles são contemplados por ações programáticas: a atualização do enquadramento da bacia do rio Paraopeba e a instituição de um sistema de informação. O enquadramento destina-se à realização de um estudo de atualização do enquadramento para a compatibilização entre classe de enquadramento vigente, considerando os usos atuais, futuros e as condições estimadas dos recursos hídricos da bacia, de modo a manter os diversos trechos classificados segundo a realidade local. Um sistema de informação viria a dar suporte ao planejamento, à gestão e a toda sociedade, ao disponibilizar em rede, com qualidade e transparência, uma coleção de informações espaciais, legais, técnicas e temáticas sobre a bacia e seus recursos hídricos. A infraestrutura de saneamento e seu planejamento municipal é uma questão fundamentalmente vinculada ao planejamento e à gestão dos recursos hídricos. No território a sinergia entre setores e entes federativos ocorre ainda de acordo com os aspectos rurais e urbanos, cada qual com suas especificidades. Neste sentido um dos programas visa a melhoria da infraestrutura de saneamento rural. Outro programa prevê o financiamento e o apoio aos municípios para a contratação e execução dos Planos Municipais de Saneamento Básico. Um terceiro programa define a execução de estudos para aferição da disponibilidade hídrica subterrânea nos três trechos da bacia, com o objetivo de prover dados atualizados sobre o recurso, contribuindo ainda para o monitoramento e o uso racional e sustentável. O rompimento da Barragem da Vale S/A no Córrego do Feijão em Brumadinho, comprometeu a construção e aprovação do Plano Diretor do Rio Paraopeba em aproximadamente um ano e conseqüentemente o Prognóstico para a gestão da bacia Portanto o Comitê da bacia do Rio Paraopeba tem um enorme desafio pela frente, que é a implementação do seu Plano Diretor, haja visto a Bacia do Rio Paraopeba ser uma das mais estratégicas do ponto de vista econômico, que prevê a maior arrecadação dos afluentes do Rio São Francisco quando implantada a cobrança pelos usos das águas, daí os cuidados que se deve ter para uma boa gestão da Bacia. *Winston Caetano de Souza – Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (CBH Paraopeba). Representa a Associação Ambiental Veredas & Cerrados.
Depois do Meio Ambiente, chegou a vez do Conselho de Recursos Hídricos ser enfraquecido*
*Leandro dos Santos Souza é Gestor Ambiental e Empreendedor Socioambiental e Guilherme Checco é Mestre em Ciência Ambiental pela USP, Pesquisador do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). Participação social e políticas socioambientais definitivamente não ocupam a lista de prioridades do governo Bolsonaro. Pelo contrário, a repulsa à participação social nos processos e instrumentos de consulta e tomada de decisão nas políticas públicas já foi, reiterada vezes, reforçada nas falas e atitudes do Presidente e dos seus assessores do primeiro escalão. Nas últimas semanas os noticiários nacionais e internacionais foram tomados por reportagens apontando a inação do governo federal em relação às queimadas na Amazônia e o cancelamento das doações internacionais para o Fundo Amazônia, um dos instrumentos mais inovadores e bem-sucedidos de incentivo ao combate ao desmatamento. O posicionamento oficial do governo contra a participação social vem gerando reflexos práticos de extrema relevância nos sistemas nacionais de meio ambiente e de gerenciamento de recursos hídricos, construídos e estruturados com muito esforço ao longo de décadas, perpassando governos de diferentes matizes. Já em maio o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), órgão central para a orientação e determinação de regras para as políticas ambientais de todo o país, teve sua composição alterada, diminuindo a participação da sociedade civil. O Conama é o principal órgão assessor do Ministério do Meio Ambiente, pasta liderada por Ricardo Salles, o principal personagem que exigiu mudanças nas regras do Fundo Amazônia e fez com que o Brasil não recebesse os R$ 133 milhões, a fundo perdido, do governo da Noruega. Agora chegou a vez do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) ser enfraquecido. No dia 3 de setembro o governo federal publicou o Decreto No. 10.000/2019, impondo alterações muito negativas na composição do CNRH. O Conselho, instituído pela Lei nº 9.433/97, representa a instância mais alta na hierarquia do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Trata-se de um colegiado responsável pela mediação de interesses entre os diversos usuários da água, competente pela implementação da gestão dos recursos hídricos no país. Por articular a integração das políticas públicas brasileiras, o Conselho é reconhecido como um importante promotor de um diálogo transparente no processo de decisões no campo da legislação de recursos hídricos. A importância do CNRH fica ainda mais evidente ao compreender as dificuldades da gestão da água em um país continental como o Brasil, onde, apesar de ser beneficiado por 12% da água doce do mundo estar em seu território, essa distribuição é espacialmente extremamente desigual gerando dificuldades, expressadas, por exemplo, nos 276 conflitos pela água documentados pela Comissão Pastoral da Terra em 2018, impactando mais de 73 mil famílias. O referido Decreto diminuiu pela metade os assentos da sociedade civil no CNRH, de seis para apenas três. A representação dos setores usuários de recursos hídricos (irrigantes, prestadores de serviços de abastecimento de água e esgoto, concessionárias de energia elétrica, indústrias, hidrovias e pescadores) também caiu pela metade. Ao fazer isso acabou por desprezar um elemento central de fóruns com essa natureza, a paridade entre seus membros, de modo que o governo passa, a partir de então, a ter uma posição majoritária e concentrando poder. O Presidente do Conselho, notadamente um representante do governo federal, pode tomar decisões unilaterais (ad referendum), de modo que os demais membros não têm mais a possibilidade de pedir vistas das mesmas. O Decreto, assinado pelo Presidente da República e pelo Ministro do Desenvolvimento Regional, incorre em um erro fundamental ao equiparar os Comitês de Bacias Hidrográficas, órgãos de Estado criados a partir de lei (Política Nacional de Recursos Hídricos), à sociedade civil. Segundo o texto, tanto os representantes da sociedade quanto os dos CBHs passariam a ocupar as (limitadas) vagas destinadas à participação social. Ainda assim o leitor pode estar se indagando qual é a real importância dessas alterações. Em primeiro lugar, a participação social é um pilar da democracia, que não se traduz unicamente no voto durante processos eleitorais, e que deve ser constantemente aprimorado e fortalecido. Além disso, nos casos do meio ambiente e recursos hídricos, estamos falando de bens de toda a coletividade dos brasileiros e brasileiras de modo que, conforme expresso no artigo 225 da Constituição Federal, tanto os governos quanto toda a sociedade têm a obrigação compartilhada de defende-los e preserva-los. Depois do CONAMA e do CNRH o que virá? Publicado originalmente no site: http://idsbrasil.org/multimidia/137/
Brumadinho – Desastre anunciado. Até quando?
Após o desastre da barragem da Samarco em 2015, medidas deveriam ter sido implementadas para prevenir colapsos de outras barragens mortais e catastróficas. O desastre que ocorreu na cidade de Mariana (MG) deixou 19 pessoas mortas, parte significativa da Bacia do Rio Doce contaminada por rejeitos e milhares de pessoas desabrigadas e com grave impacto nas suas condições de sobrevivência econômica, o que era um sinal de alerta para a toda a região de mineração em Minas Gerais. No entanto, pouca coisa foi implementada para se prevenir de outros possíveis desastres, foi então que novamente acontece o desastre da Vale em Brumadinho (MG). O desastre de Brumadinho exige que seja investigado como um crime e assumida a responsabilidade. Após um mês da ocorrência do rompimento do reservatório de rejeitos da Vale em Minas Gerais tem mais de 130 desaparecidos e 180 mortos. A maior parte das vítimas já identificadas é do sexo masculino (77%), pai, trabalhador da mineração. A cidade com várias comunidades ainda tomadas pela lama e uma população abalada que busca retomar sua vida. Prevalece o medo, a incerteza e também a revolta, sentimentos comuns aos quase 40 mil habitantes de Brumadinho, que viram povoados e histórias serem devastados pela lama após o rompimento da barragem da Vale. Queixas dos atendimentos oferecidos pela mineradora estão espalhadas pelos quatro cantos da cidade. As principais reclamações vêm do distrito de Córrego do Feijão, um dos mais afetados. Lá, segundo moradores, faltam psicólogos, informações e atendimento médico de urgência. Prova de que a assistência dada nos primeiros dias depois do desastre diminuiu com o passar do tempo. Após o rompimento da barragem localizada no Córrego do Feijão, a área total da mancha de detritos contaminados ocupa oito km de um total, aproximadamente de 640 km². De acordo com a Defesa Civil Municipal, 278 pedidos de vistoria foram feitos, dos quais 170 foram atendidos com 110 laudos já emitidos. Atualmente, cerca de 90 moradias estão sem condições de serem habitadas. O rio Paraopeba se transformou num rio tóxico por mais de 300 km. Análises mostram que em alguns pontos, de tão degradado, nem bactérias sobrevivem. Os danos podem chegar ao São Francisco, mais de 200 quilômetros depois de brotar de suas nascentes, no Paraopeba componentes de ferro, cobre, manganês e cromo são encontrados na água numa concentração muito maior do que a lei permite – e do que a saúde humana tolera. Trata-se de crime ambiental, que revela graves problemas do modelo privatista da exploração mineral, refletido na multiplicação de situações de alto risco. O que se observa é que as empresas trabalham numa perspectiva na qual o lucro prevalece sobre a segurança, e como se comprova com avaliações pós desastre que se verifica a adoção de medidas mais baratas para reproduzir as leis que regem a concorrência capitalista nesta era em que se ampliam argumentos neoliberais para desregulamentação e financeirização. O comportamento da Vale mostra que a lógica financeira tem dominado de forma estratégica a empresa. O que prevalece é a lógica imaterial das formas financeiras, o que se denomina de economia improdutiva, prevalecendo sobre a lógica do material e da valorização da vida humana. Portanto, existe uma necessidade urgente de revisão do modelo existente no setor mineração. O que se observa é que esse modelo tem que ser revisto e isso mostra ao setor da mineração a importância do monitoramento e fiscalização de forma sistemática e continuada por equipes técnicas qualificadas no interesse do interesse público. O crime ambiental em Brumadinho, destaca a importância de se abordar a problemática do licenciamento ambiental para o Brasil. Diante das propostas do presidente Jair Bolsonaro e da gestão à frente do Ministério do Meio Ambiente de Ricardo Salles. Deve se contestar o discurso que propõe maior flexibilização nas leis ambientais, principalmente na área da mineração, responsável agora por um dos maiores acidentes ambientais do país. Conclui-se esta reflexão enfatizando a importância de garantir justiça aos atingidos, pois da forma como a justiça brasileira conduziu os processos contra a Samarco, responsável pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Esta se mostra como uma forma negativa na condução das investigações, pois as soluções aplicadas não têm sido suficientes para dar assistência às vítimas, caracterizada como estratégias que reduziram a interlocução direta com a Samarco, revelando a necessidade de a justiça adotar uma postura mais efetiva na condução dos problemas. *Pedro Jacobi é Professor Titular do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental e Divisão Cientifica de Gestão, Ciência e Tecnologia Ambiental- DCGCTA/IEE Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e Editor da Revista Ambiente e Sociedade. prjacobi@gmail.com