Em função das modificações ocorridas no cenário institucional e político brasileiro, com interface direta à governança hídrica no Brasil, é relevante e essencial promover uma Agenda Nacional dos Recursos Hídricos autônoma. Os recursos hídricos são essenciais para a qualidade de vida das pessoas, para a economia e para os ecossistemas. Problemas associados a eventos de cheias e secas, poluição de mananciais, escassez hídrica e comprometimento dos serviços ambientais hídricos requerem a construção de políticas públicas e instituições dedicadas ao tema. Reconhecendo a gravidade dos problemas, a Constituição Federal de 1988 comandou a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos como sistema específico e especializado para tratar deste relevante tema nacional, com o objetivo de promover a segurança hídrica dos usos múltiplos. Este comando constitucional correto, justo e atual foi materializado por meio da Política Nacional de Recursos Hídricos, definida pela Lei 9.493/1997 (“Lei das Águas”), pela Lei 9.984/2000 que cria a Agência Nacional de Águas e pelo conjunto de Leis Estaduais que definem o arcabouço político, jurídico e institucional que as Unidades da Federação utilizam para gerir as águas em seus domínios. As organizações técnicas e científicas da sociedade civil tiveram papel relevante na construção dessa Política. As cartas e ação de membros destas instituições apoiaram a elaboração dos marcos legais e têm contribuído na implementação e no funcionamento das instâncias de participação do Sistema, juntamente com as demais organizações civis. O Sistema de Recursos Hídricos (política e instituições) possui mecanismos de coordenação com outras políticas públicas e Sistemas Nacionais como é o caso, por exemplo, do Sistema de Energia, do Sistema de Meio Ambiente e do Sistema de Saneamento Básico, tanto em nível federal como nos demais níveis federados. Cada um destes sistemas possui sua política, suas instituições e seus instrumentos de gestão. Tais políticas, no âmbito da administração pública federal direta, estão em grande parte atribuídas atualmente ao Ministério do Desenvolvimento Regional[1] que, entre outras políticas, tem por competência a execução da Política Nacional de Recursos Hídricos, a Política Nacional de Segurança Hídrica e a Política Nacional de Saneamento. A ANA, que desde a aprovação do novo Marco do Saneamento (Lei nº 14.026, de 15 de junho de 2020) se denomina Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, foi inicialmente criada para regular o acesso ao bem público água e coordenar a implementação do Sistema Nacional de Recursos Hídricos, tarefa esta que destinava a maior parte de seu orçamento institucional. Ao longo dos 20 anos de existência, a ANA fortaleceu órgãos gestores estaduais de recursos hídricos, fomentou a criação de comitês de bacia hidrográfica, ente de estado de primeira instancia de tomada de decisão hídrica, constituiu um corpo técnico maduro, competente e robusto para o planejamento e gestão de recursos hídricos no Brasil. A partir de 2010, tornou-se reguladora também de serviços, gestora de informações, coordenadora do Sistema Nacional de Segurança de Barragens e, recentemente, lhe foi atribuída a normatização de referência do setor de saneamento para que se evitem disfunções com consequências que se remetem ao comprometimento da boa qualidade de vida da população brasileira. O Sistema de Recursos Hídricos vem respondendo de forma satisfatória a alguns de seus desafios, tem feito que a água não seja tão pouca na seca, nem tanto nas cheias e conseguiu alguns avanços quanto a qualidade da água. Contudo, necessita se aprimorar para responder à desafiadora e crescente demanda por Segurança Hídrica que a sociedade brasileira lhe coloca, sobretudo no cenário de intensificação de secas severas que tem impactado fortemente cidades e economias em todo o país, que têm buscado atender o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 6 (ODS 6) para prover agua potável e saneamento para todos, sem deixar ninguém para trás. Este aprimoramento requer visão estratégica e instituições fortes e capazes tecnicamente nas esferas federativas. Motivadas pelo compromisso de preservar as conquistas alcançadas, fortalecer e aprimorar continuamente o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, as Associações Técnicas e Científicas, juntamente com outras organizações da sociedade civil, gostariam de reafirmar algumas de suas convicções. Reconhecemos como conquistas: A criação de um Sistema Nacional de Recursos Hídricos que trata de forma especializada a gestão da oferta, da demanda e os conflitos pelo uso da água; As instâncias de participação pública na gestão de águas, como espaço de aprofundamento da democracia; A gestão de conflitos pelo acesso à água entre usos múltiplos e regiões fundada na negociação política com base técnica entre usos e regiões, única forma de incorporar os múltiplos valores da água na decisão e na construção de pactos e integração social; A implementação dos instrumentos de gestão, tais como, os planos de recursos hídricos e o enquadramento (construtores de pactos de longo prazo e visão estratégica dos problemas), a outorga (ferramenta de alocação de água no longo prazo), a cobrança (instrumento promotor de eficiência econômica) e o sistema de informações (rede observacional e de modelos necessários para suporte a tomada de decisão); e A descentralização da gestão entre os entes federados como mecanismo de viabilizar a construção de políticas das águas mais aderentes às realidades regionais, em um país continental e com paisagens tão diversas como a brasileira. Avaliamos ser necessário avançar em diversos temas como: a gestão das águas na Região Amazônica; a articulação Federal e Estadual com o município; o aprimoramento da política de gestão do risco de secas, principalmente após a construção do monitor de seca; a gestão da qualidade da água em ações como a o Programa de Despoluição de Bacias – Prodes da ANA; o fortalecimento das instâncias de integração de políticas públicas, entre outros. A ANA passará por modificações profundas para se reconfigurar de modo a cumprir seus novos objetivos institucionais relacionados ao saneamento básico. Para tanto, necessita de novos recursos humanos e materiais para que, ao absorver as estruturas e atividades desta nova agenda, não produza perdas significativas na área de recursos hídricos. O corpo técnico adicional requerido pela ANA deve incorporar novas especialidades requeridas na regulação do saneamento. Nesse contexto, é fundamental que as lideranças na diretoria da